Não sei se a necessidade faz o engenho mas é certo que são as soluções mais simples aquelas de maior eficácia, e na verdade é que no contexto de crise actual, onde o festival viu reduzido em 1/3 o seu orçamento, um melhor aproveitamento dos materiais traduziu-se numa das melhores arquitecturas de espaços dos últimos anos nas áreas de exposição, comercial, zona de autógrafos e de lazer situados no piso -1. Um espaço aberto, simples, sem grandes barreiras e de boa circulação. É esta a primeira nota positiva que deixo aqui.
O Humor deu o mote ao 22º Amadora BD. Filipe Andrade, o autor convidado, interpretou bem o tema no desenho que criou para o cartaz, um dos mais bem conseguidos pela sua simplicidade na mensagem. As exposições centrais dedicadas ao tema pareceram-me interessantes, ainda que a evocação do centenário da criação da Sociedade dos Humoristas Portugueses, embora percebendo a ligação que se possa estabelecer com o tema deste ano, me parecesse algo deslocada num contexto de festival de banda desenhada. Gostei portanto mais da segunda exposição, dedicada ao Humor na BD Internacional, mais bem conseguida. Pior mesmo foi a labiríntica estrutura, no piso 0, onde esta mostra esteve exposta. Não vejo a necessidade de um visitante se perder para descobrir alguns espaços de exposição.
No geral, as exposições ainda que em número mais reduzido comparativamente com anteriores edições, mantiveram o bom nível de qualidade (que inclui o trabalho de cenografia) que o Amadora BD já nos habituou, não tendo sido esta minimamente afectada pela falta de Bourgeon, vencedor do prémio para o Melhor Álbum Estrangeiro no ano passado e que à última da hora não pode vir. Aliás, a ausência de grandes nomes estrangeiros, abriu uma janela de visibilidade onde brilharam os excelentes trabalhos de autores nacionais como Filipe Andrade, Filipe Pina, Filipe Melo, Rui Lacas, Nelson Martins, Pedro Serpa, David Soares, Derradé, Geral e Carlos Roque.
Menos positiva foi a exposição dos “Peanuts, 60 anos” que não obstante os três originais expostos e uma dúzia de painéis sobre a vida e obra de Charles Schulz, se apresentou bastante incompleta, a avaliar pelo grande número de tiras que estão apresentadas no catálogo do festival e que não figuraram na exposição, que permitem perceber melhor a forma como os “Peanuts” evoluíram ao longo dos anos, o que não se reflecte totalmente no conjunto de painéis expostos. Gostava ainda de aqui falar do Zorro de José Pires ou do trabalho de Fernando Relvas mas não posso porque não tive oportunidade. A politica de descentralização, eu direi de exclusão, das exposições, que são apresentadas noutros locais da cidade da Amadora, que não no núcleo central do festival, traduzem-se, na minha opinião, claro está, num desperdício colossal, porque nem aproveita ao munícipes da Amadora, porque tenho para mim que não querem saber, nem aos visitantes de fora de Lisboa, porque não as conseguem ver. Acreditem que não basta atravessar a rua para o visitante se deslocar à Reboleira, à Venteira, à Falagueira, à Mina nem ao Beco do Poço, onde quer que geograficamente isto tudo se situe! Na tradição que já vem de anos anteriores, nota negativa neste ponto em particular.
Das coisas boas que o festival tem apresentado nos últimos anos, tem sido ao nível dos lançamentos editoriais. Considero não existir melhor palco que um festival de banda de desenhada. Qualitativamente e quantitativamente houve BD para todos os gostos, e as vantagens de juntar o autor e a obra no mesmo sítio são óbvias, e disso não se podem queixar editores e livreiros.
E as sessões de autógrafos são um óptimo complemento. Pontos altos do festival, as tardes são concentradas naquele espaço. Entre outros, Filipe Melo, Juan Cavia e Santiago Villa, Hugo Teixeira e Vidazinha, Nelson Martins e Valéry Der-Sarkissian, Rui Lacas, Pedro Serpa e David Soares, Geral e Derradé, não tiveram mãos a medir nas sessões de autógrafos. Nos autores estrangeiros, Eric Maltaite, autor francófono, produziu umas aguarelas muito boas; os brasileiros Spacca, que só falhou pelo seu livro “D. João Carioca – A Corte Portuguesa Chega ao Brasil (1808-1821)” não estar disponível em Portugal e Luiz Gê impressionou-me pelos seus aviões. Destacava ainda André Caetano. Não o conhecia e digo que gostei bastante do seu desenho. A acompanhar futuramente.
Em termos de divulgação, o festival melhorou. Disponibilizou logo no primeiro fim-de-semana o programa e o catálogo do festival, que por sinal numa óptima edição ainda que desactualizado face aos imponderáveis de última hora (ausência de Bourgeon e exposição de Luiz Gê). A aposta na rede social Facebook com um fluxo constante de informação e actualizações diárias constituiu um óptimo canal de promoção do festival. Coincidência ou talvez não, comparativamente com a edição do ano passado, pareceu-me que este Amadora BD teve uma boa afluência de público. Tudo isto não invalida um trabalho que necessita de ser feito ao nível de uma maior divulgação do festival. Que tal o próprio evento começar uns meses antes com a sua apresentação pública ao invés das duas semanas antes como tem vindo a acontecer. Ajuda igualmente na promoção ter grandes nomes como cabeça de cartaz. A internet é um óptima ferramenta e o "passa a palavra" tem de ser feito em redes sociais, blogues e fóruns. Para maior impacto sugeria inclusive a criação de uma mascote para o festival, e como se trata de um evento de BD nada melhor que um boneco que chame a atenção e onde versatilidade da sua imagem pudesse ser utilizada nos vários canais de promoção e marketing. Isto em contraponto ao actual logótipo demasiado institucional que o Festival optou aquando da alteração da sua denominação para Amadora a BD. Fica a sugestão.
Nota final para o Filipe Melo. O lançamento do novo livro “As Extraordinárias Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy II” foi um acontecimento. Sessões de apresentação completamente cheias, filas nas sessões de autógrafos fechadas, recorde de vendas no festival, entrevistas na televisão e artigos nos jornais e ainda um mini-tour de promoção que foi da Amadora ao Porto, passando por Lisboa, Coimbra e Guimarães. Se alguém ainda tem dúvidas sobre a melhor forma de "vender" banda desenhada portuguesa em Portugal e atrair novos leitores basta estar atento ao trabalho do Filipe. Dos comentários que ouvi durante o festival aquando deste novo lançamento, fiquei com a certeza que haveria por ali pessoas cujos únicos livros de banda desenhada que possuíam em suas casas eram justamente Dog Mendonça e Pizza Boy I e Dog Mendonça e Pizza Boy II!
Notas Positivas:
+ Espaço no piso -1
+ "Dog Mendonça e Pizza Boy"
+ Amadora BD no Facebook
+ Bom número de lançamentos de autores portugueses
Notas Negativas:
- Exposição "Peanuts, 60 Anos"
- Descentralização das exposições
- Ausência de uma grande nome da BD internacional
Concordo com as tuas dúvidas sobre a descentralização do festival, mas provavelmente são acordos com a Câmara que obrigam a tal.
ResponderEliminarFalei com o Nelson Dona no último dia e segundo ele a afluência do público em relação ao ano anterior tinha sido largamente batida, o que também não me parecia difícil.
Quanto às mascotes do festival , não me pareciam mal o Zé Pacóvio e Grilinho, que até eram para ter aparecido na Feira do Livro da Amadora, em Setembro, mas que eu não os vi por lá.
Excelente artigo!! Concordo na totalidade com a tua avaliação sobre o AmadoraBD deste ano (e olha que é difícil alguém concordar com tudo!!).
ResponderEliminarGostei especialmente daquilo que escreveste sobre o Filipe Melo, um verdadeiro exemplo de como a BD devia ser encarada em Portugal e como tal um caso a seguir.
Um abraço.
Excelente artigo de balanço de um festival que este ano teve a particularidade de somar mais notas positivas. Mantiveram aquilo que no ano passado esteve bom, como por exemplo o nível das exposições, com factores sem dúvida mais apelativos. Sei que o orçamento foi menor, mas isso quase não se reflectiu naquilo que se viu, o que considero bastante positivo. Em relação à descentralização, embora a compreenda, concordo contigo. Acho que as exposições dedicadas ao Pires e ao Relvas tinham mais a ganhar se estivessem junto ao núcleo central. Mas isso são pormenores numa edição que, no meu entender, considero que até correu bastante bem. Um abraço.
ResponderEliminarAh, j´me esquecia... A reportagem fotográfica está 5 *!
ResponderEliminarObrigado pelo feedback!
ResponderEliminarLabas, penso que o festival fixa o seu público em 30.000 visitantes, pelo que qualquer número abaixo disso é um mau ano. Bater os números da edição do ano passado mais que previsível era quase obrigatória. Quanto à descentralização nada me convence :) Abraço
Lucaimura, só observando o Filipe é que se percebe que é o marketing em pessoa. Abraço
João, as minhas fotos rivalizam com as da Cristina. :) Abraço