Num ano tão estranho e difícil como foi 2020, o melhor que se pode dizer é que se salvaram os livros!
A actividade bedéfila nacional começou bem, com optimismo por parte de diversas editoras na divulgação do seu plano editorial. Estávamos longe de prever o que se seguiria. Vínhamos de 2019, onde o nosso mercado se tinha adaptado ao desaparecimento da editora Goody que enchia semanalmente as bancas nacionais com banda desenhada. Assim, tínhamos como referência um número a rondar as 240 novidades por ano.
Janeiro e Fevereiro tiveram um bom ritmo de lançamentos, com uma média superior a uma novidade por cada dia útil. Mas chegados a Março soaram os primeiros alarmes. O autor italiano Carlo Ambrosini, o cabeça-de-cartaz do Coimbra BD cancelou a sua vinda. O festival, o primeiro dos quatro importantes que por cá se realizam, ainda aconteceu, reforçado com a presença de autores nacionais. E foi o único. A seguir o país fechou. Um confinamento obrigatório motivado pelo covid19 paralisou praticamente a actividade económica em Portugal entre Março e Abril e afectou de forma negativa a realização dos restantes festivais e o planeamento das editoras. Um dos palcos privilegiados para os novos lançamentos, o festival de BD de Beja, foi cancelado, e Maio fica com o pior registo do ano de termos de novidades. Chegados a Junho, as editoras que tinham ficado com os livros em armazém por causa do confinamento aproveitaram então para encher as livrarias e o resultado traduziu-se num mês gordo com uma média superior a uma novidade por cada dia útil do mês.
No segundo semestre do ano assistiu-se à continuação da recuperação. Um destaque para o mês de Outubro, por regra, um mês forte de novidades, devido ao Amadora BD e que este ano não foi excepção, apesar da realização do festival em formato virtual. E alavancado por este último trimestre do ano, 2020 acaba por fechar praticamente com iguais números de 2019. A listagem completa de todos os lançamentos pode ser consultada AQUI.
Num olhar pelas editoras, a primeira nota positiva é que aumentou o n.º de editoras que publicaram pelo menos uma banda desenhada durante o ano. Registo com agrado um total de 41. A mais produtiva de todas foi a LEVOIR com 39 edições, repetindo uma posição de liderança que já havia alcançado em 2019. Nas editoras com mais de vinte lançamentos/ano, encontramos ainda a ASA (26) e a SALVAT (26). A fechar este top 5 temos a G.FLOY (24) e a DEVIR (21).
Observa-se que as colecções temáticas de periodicidade definida tem um peso grande nos novos lançamentos, se consideramos que na LEVOIR representaram 74% das suas novidades (colecções «Watchmen/Doomsday Clock», «Novela Gráfica VI» e «Clássicos»), na SALVAT representaram 100% (colecção «Integral Asterix») e na ASA cerca de 50% (colecções «Blueberry», «Operação Overlord» e «Rio»). De referir que, não obstante todas as contrariedade do ano, estas três editoras aumentaram o n.º de lançamentos em 2020. Em sinal contrário tivemos a G.FLOY. Apresenta uma queda nas suas novidades na ordem dos 35%. As explicações podem ser encontradas na pandemia que afectou as vendas em banca que pro sua vez implicaram uma reestruturação interna da editora com implicações na sua actividade no mercado nacional. A verdade é que num futuro próximo dificilmente veremos esta editora tão activa como esteve nos últimos anos com lançamentos a rondar as três dezenas. A DEVIR, a referência mangá nacional, registou apenas um ligeiro decréscimo na sua oferta (-1%). No total, a oferta conjugada destas 5 editoras representou 57% do mercado de banda desenhada nacional.
No capitulo das editoras com 10 a 20 lançamentos/ano, surgem a NUVEM DE LETRAS (14 novidades) e a ARTE DE AUTOR (14 novidades, incluindo uma em co-edição). A primeira é uma “lufada de ar fresco”. Uma editora virada para a literatura infantil, e que em 2020 apresentou um forte crescimento na produção de bd, apostando num segmento no qual concorre praticamente sozinha. A ARTE DE AUTOR tem vindo a dar pequenos passos de consolidação do seu já importante catalogo, tendo-lhe juntado, entre outros, o belíssimo «Armazém Central» e o delicioso «Spaghetti Bros» (este uma das minhas leituras do ano). A ARTE DE AUTOR é juntamente com a ASA e com a ALA DOS LIVROS uma das referências na edição nacional de bd franco-belga.
A ALA DOS LIVROS liderou o “pelotão” das editoras com menos de 10 lançamento em 2020. Totalizou 9. Passou a ser a nova casa do «Corvo». O regresso deste anti-heroi marcou a estreia da editora na edição de autores nacionais. Não obstante, foi uma das editoras que viu o seu planeamento afectado pela pandemia. Mas o que não saiu em 2020, apresenta-se agora na linha da frente para 2021. Por aqui aguarda-se com ansiedade o «Undertaker» e com expectativa o «Mercenário». No lugar imediatamente a seguir temos a GRADIVA com 8 novidades. Editora igualmente afectada pela pandemia não foi capaz de acompanhar o andamento de 2019. Em ex-aequo surge a ESCORPIÃO AZUL também com um registo de 8 lançamentos. Não obstante uma quebra de 33% nas novidades, celebrou a marca do 50º título do seu catalogo. A fechar esta lista segue-se a jovem A SEITA com 6 novidades, que se traduzem em 8 edições. Parcerias com FNAC e uma co-edição com a ARTE DE AUTOR ajudam a explicar. Abriu o catalogo à bd franco-belga com o Lucky Luke de Matthieu Bonhomme (outra das minhas leituras do ano). Segue-se depois um "comboio" de pequenas editoras (direi assim) com lançamentos de entre 1 a 3 novidades.
De registar o forte crescimento que a banda desenhada de origem franco-belga teve em 2020. Este resultado não é só justificado pelas colecções temáticas, que na sua grande maioria tem esta origem, ou no facto das editoras de referência terem aumentado a sua oferta, mas igualmente por ter sido um ano em que algumas editoras não tradicionais de banda desenhada, terem feito uma aposta justamente neste tipo de edição em formato de novela gráfica.
E o que se pode concluir?
O que retiramos é que se num ano difícil como foi 2020, sem um pleno funcionamento das nossas editoras, sem festivais de banda desenhada, e ainda assim se registar um total de lançamentos ao nível de 2019, mantendo-se uma vasta oferta de qualidade, e com um bom numero de "novas" editoras a fazerem uma aposta na edição de banda desenhada, só se pode dizer que o nosso mercado de banda desenhada navegou bem entre a tormenta, o que revela sinais de amadurecimento. Um total a rondar as 250 novidades por ano será o que poderemos esperar num bom ano. Em complemento, a aposta de algumas editoras passará agora eventualmente por explorar o nicho de mercado de valorização do livro de bd, com edições limitadas, ofertas de ex-libris ou originais, cujos primeiros ensaios este ano, correram muito bem.
Para 2021, depois de contornada a tempestade, espera-se então a bonança.
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