Deixo aqui uma nota sobre o último grande evento do ano, sobre o qual posso já afirmar, que no geral não foi nada de especial, ainda que tenha sido realizado num espaço mais central e melhor servido de transportes e outras facilidades. A verdade é que a edição da Comic Con Portugal de 2021 sofreu com a pandemia. O vírus obrigou à mudança da data de realização do evento, prevista inicialmente para Setembro, atirando-o para meados de Dezembro, provocou condicionamentos na oferta do programa e claro, obstou a presença de alguns convidados. Mas isto não é culpa da organização.
Agora tenho para mim que a organização é culpada de fazer uma festa exageradamente pobre para pessoas eventualmente ricas. O preço do bilhete de entrada, para um evento que apresentava como cabeças de cartaz alguns… youtubers brasileiros, e figuras menores da TV & Cinema, e ainda a Graça Freitas da DGS como uma das convidadas, passa logo de caro para excessivo. E isso teve naturalmente impacto no número de visitantes, que desconfio que deve ter ficado aquém das expectativas da organização.
Junta-se uma oferta muito reduzida nas actividades quando comparada com edições anteriores (bastava olhar para a miséria no interior da tenda do gaming) e o facto das assinaturas e fotografias dos “talentos” (terminologia da organização) serem “bem” cobrados à parte, então temos que o preço do bilhete salta de imediato para a categoria de "estupidamente absurdo". É que nestas coisas de “cultura pop” Portugal não é a América, e não temos, nem a dimensão nem o poder de compra “lá de fora”. Temos uma Graça Freitas mas dispensamo-la bem!
Deixada a panorâmica geral, centro-me agora no concreto. O meu interesse quase em exclusivo na Comic Con centra-se na vertente da Banda Desenhada. E aqui as coisas foram diferentes. Não foi perfeito, e há pontos que podem ser melhorados. Mas o balanço é francamente positivo.
Começo pelos convidados estrangeiros deste ano nesta área. Um luxo. E para aqueles que insistem em apontar à BD um papel secundário na Comic Con, eu recordo a lista de 11 convidados, onde encontravamos nomes como Ralph Meyer, Miguelanxo Prado, Van Hogen, Martinez Bueno ou Michele Benevento. Tivesse, por exemplo, o Amadora BD um cartaz com autores estrangeiros deste calibre e a tenda “rebentava pelas costuras”. Houve infelizmente três cancelamentos, Roca, Bonhomme e Grell, por motivos imputáveis à pandemia. Acontece. Nada a fazer aqui, a não ser melhor informação por parte da organização. É um ponto a melhorar. Sobrou então para os presentes abrilhantarem as esperadas e concorridas sessões de autógrafos, que se realizaram num espaço específico sem confusão. Várias sessões bem distribuídas entre horários e autores. Simpatia e disponibilidade, tempos de espera aceitáveis, e nada de senhas. Não vi ninguém queixar-se. Nota muito positiva.
Paralelamente às sessões de autógrafos decorreram vários painéis de conversação com alguns dos autores. Devo dizer que não consegui ver nenhum. Tive pena de perder a apresentação do painel "Balada para Sophie" do Filipe Melo e Juan Cavia, mas a sessão às 15h numa quinta-feira inviabilizou; o painel de apresentação do "Museu da Banda Desenhada de Beja - O Primeiro Museu da Banda Desenhada em Portugal” com Paulo Monteiro, também me interessava, mas coincidiu com sessões de autógrafos a decorrerem. E o mesmo aconteceu com o painel de Ralph Meyer, "De Asgard a Undertaker - entre a Ficção científica e o Western". E é neste ponto que a coisa falha. A programação da BD na Comic Con resume-se apenas aos painéis e aos autógrafos. Logo não se compreende o porquê da sobreposição de horários quando o que não faltam são horas em 4 dias de evento. Será que não é possível uma melhor conciliação de horários, de forma que as diferentes ofertas não colidam umas com as outras? Quero acreditar que a organização aqui, pode, e deve, fazer muito melhor!
E que mais se podia a organização fazer?
Podiam acontecer lançamentos, mas com a Comic Con a acontecer em meados de Dezembro, convenhamos que já há muito ou mesmo nada para as editoras apresentarem nesta altura. Para além disso, o Amadora BD aconteceu há relativamente pouco tempo e foi a última montra do ano para as novidades. Dezembro sofre por ser o ultimo mês do calendário. Talvez possa haver palco para lançamentos quando o evento voltar a realizar-se em Setembro.
Quanto a haver ou não exposições de banda desenhada, pessoalmente considero que não é o local apropriado. Para isso já temos, e bem, os festivais de Beja e da Amadora. A Comic Con é um evento com uma dinâmica muito própria, que centraliza uma variedade enorme de gostos e interesses, entre os quais a BD é apenas mais um. O foco é sobretudo nas pessoas. Agora sejamos sinceros ninguém vai lá para ver “quadros”!
No espaço comercial, leia-se mercado geek, encontrava-se alguma oferta de banda desenhada em três ou quatro stands, incluindo a loja oficial do evento e de uma conhecida cadeia de distribuição, que garantiu o stock de livros dos autores presentes. Pareceu-me o suficiente. Os visitantes gastam o dinheiro todo nos pop's da Funko, e leitor/comprador de banda desenhada sai mais bem servido se aproveitar as campanhas de descontos directos promovidos pelas editoras e livrarias.
Como devem compreender, ainda que considere o que a edição deste ano da Comic Con tenha sido, no geral, bastante fraca (e cara), e reconheça a legitimidade para uma frustração de expectativas na grande maioria dos visitantes (a título de exemplo, o meu sobrinho de 15 anos ao fim de duas horas disse que já tinha visto tudo e queria vir-se embora), eu como amante da banda desenhada, e atendendo às condicionantes já referidas, não tenho razões de queixa. Conheci o Ralph Meyer, talvez um dos melhores desenhadores da actualidade e tenho vários álbuns com desenhos autografados por todos os autores presentes. A lamentar só os painéis que queria ver e não vi e os autores ausentes, mas tal não afecta o balanço positivo que faço desta edição.
A Comic Con é isto, cada um vai ao encontro dos seus gostos e das suas expectativas. Na edição deste ano, as minhas foram alcançadas!
Na imagem de cima, desenho autografado de Miguelanxo Prado; na imagem de baixo, Ralph Meyer numa das sessões de autógrafos.
Viva Nuno, agradeço a sua avaliação do evento. Infelizmente ainda não foi este ano que me "apanharam" lá. E por duas razões importantes: o valor elevado da entrada e a oferta diminuta na área de BD. Apesar dos excelentes nomes presentes serão precisos mais e melhores argumentos para justificar uma ida, a começar por aumentar área dedicada á BD e alargar o naipe de autores convidados (europeus, de todas as nacionalidades, norte-americanos, latino-americanos, japoneses, etc...). A ComiCon poderia (e deveria) ser uma verdadeira alternativa à triste e decadente Amadora BD, mesmo mantendo a oferta nas outras áreas de entretenimento. Aguardemos pelos próximos capítulos...
ResponderEliminarOlá António, sem dúvida que o elevado valor da entrada é um forte factor dissuasor, e ainda mais quando no global a oferta nas diferentes áreas é muito fraca ou praticamente inexistente. Mesmo para quem goste muito da banda desenhada, haveria sempre outras e diferentes experiências que na qualidade de visitante poderia desfrutar, e que poderia compensar o custo, mas infelizmente este ano tal não sucedeu. Não conhecendo a realidade das convenções de outros países, não sei que mais se poderia fazer na área da BD, sem a Comic Con perder a sua identidade, tirando aquelas situações já identificadas, de abrir as portas a lançamentos, convidar mais autores nacionais e melhorar a oferta nos painéis ao nível dos horários. O alargar do naipe de autores convidados de outas latitudes é uma ideia interessante, ainda que este ano, por força da pandemia e dos condicionalismos nas viagens, tal não fosse possível. Pessolamente gosto bastante da ideia da organização em apostar em nomes bem conhecidos dos leitores portugueses, sobretudo de origem franco-belga, atendendo à oferta variada que começamos a ter e à grande base de leitores deste género existente em Portugal. Mas recordo que autores do mercado americano de comics tem sido uma presença constante nas várias edições do evento, mesmo sem muita edição americana por cá. Assim de repente lembro-me da presença de Chris Claremont, Joe Prado ou Ed Brubaker. Este ano estariam o Martinez Bueno e o Mike Grell, se este último não tivesse cancelado por força da pandemia. Autores japoneses penso que nem saem do Japão. Veremos o balanço que a organização faz da edição deste ano.
ResponderEliminarViva Nuno, entre as diversas ComicCon franchisadas o modelo que mais me agrada é CCXP, em São Paulo. O peso da BD e áreas conexas é grande - acima de 40%. De igual forma apostam em nomes grandes (sim, GRANDES: Frank Miller, Bill Sienkiewicz, John Romita Jr para citar alguns ...) e acima de tudo promovem os autores e editoras locais, incluindo as pequenas editoras e edições de autor - há espaço para todos... Salvaguardando as devidas distâncias, pela dimensão dos respectivos mercados, julgo que se poderia fazer mais e melhor. Mais Comic, menos Con... Abraço.
ResponderEliminarOlá António, o problema aqui encontra-se da designação do evento. A utilização da designação "Comic" no nome do evento penso que se deve a motivos puramente comerciais e de marketing, e não à intenção deliberada em se fazer mais um festival de BD. Em todas as conferências que assisti de lançamento da Comic Con, sempre foi dito que se tratava de uma celebração da cultura pop, dentro da qual a área da BD é apenas uma parte, e não o centro das atenções. Agora concordo que se podia fazer mais pela parte "comic" do evento, nomeadamente convidar mais autores nacionais a apresentarem os seus trabalhos. Uma ala dedicada a talentos nacionais seria excelente, num período em cada vez mais vemos autores portugueses a serem publicados. Mas no geral, e mantendo esta qualidade de autores presentes, eu confesso-me satisfeito com o modelo. A rever sem dúvida seria o preço dos bilhetes. Abraço
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