Parece que hoje é um dia histórico para a BD! A partir de hoje, em pleno século XXI, a Banda Desenhada passou a ser considerada em Portugal como… “uma forma superior de expressão da cultura”.
O que é isso?
É um reconhecimento com o excelso carimbo da Academia Nacional de Belas-Artes (quem?). Procurei saber que outras belas artes partilham dessa dita superioridade, mas parece que a informação não está disponível.
A tribo bedéfila exulta-se por essas redes sociais fora pela consideração. Eu, sinceramente, confesso não partilhar desse entusiasmo. E confesso também não o perceber.
Recordo que por cá a Banda Desenhada tem raízes profundas que remontam ao final do século XIX. Em 1872, Bordallo fez publicar os Apontamentos de Raphael Bordallo Pinheiro sobre a Picaresca Viagem do Imperador de Rasilb pela Europa, o primeiro livro de banda desenhada editado em Portugal. Portanto, já lá vão mais de 140 anos desta arte de contar histórias sob a forma de narrativa gráfica!
E desde então até aos dias de hoje, o caminho não foi fácil, com os seus altos e baixos, é certo, mas feito sempre sozinho, lutando contra estigmas de infantilidade, censuras, restrições e rótulos de sub-cultura antipedagógica, e desempenhando sempre um importante papel na cultura popular e na literatura ao longo de décadas. E eis-nos chegados a 2023, com um mercado de edição pujante, com uma oferta literalmente diversificada para todos os públicos, com festivais dedicados a norte e sul do país, com autores reconhecidos no estrangeiro e obras portuguesas publicadas em vários países.
E chega agora o reconhecimento. Precisamos dele? Claro que não, soa a ridículo!
Mais ridículo, quando vemos que juntamente com a Banda Desenhada, surgem também o Cinema e a Dança, pasme-se, outras manifestações de culturas menores que só a partir de hoje se podem sentar à mesa das Belas Artes.
Sinceramente, faz-se mais pela Banda Desenhada em Portugal, quando um livro de bd entra para o Plano Nacional de Leitura, quando se atribui uma bolsa para uma residência artística ou quando uma Câmara Municipal financia a realização de um festival, do que estas “insígnias ao peito”!
4 comentários:
Olá Nuno!
Esta assunção por parte da Academia vale o que vale, claro. Como valerá para a Arquitetura ou para a Pintura. Ou, agora, para a BD, para o Cinema e para a Dança. É um simples reconhecimento do contributo que estas artes trazem para a cultura nacional.
Em termos práticos este reconhecimento permitir-nos-á encetar variadíssimas ações (colóquios, exposições, etc., etc.) em meio académico junto de públicos muito distintos. Ajuda, também, a conferir o estatuto de arte emancipada à Banda Desenhada, o estatuto de Arte maior. E isso não é pouco (todos sabemos que ainda existe bastante preconceito). Se isso é muito ou pouco importante para os autores e para os leitores habituais? Talvez seja pouco relevante. Ou talvez não … A reação entusiástica de alguns autores e leitores pela incorporação da BD nas Belas Artes explica-se precisamente pelo facto de estarmos sistematicamente afastados de todos os palcos referentes à arte contemporânea. Talvez a situação se modifique. Talvez os autores passem a gozar de um estatuto diferente, no futuro. Talvez passem a ser olhados de outra maneira (decididamente mais respeitosa). E porque não? Não precisamos de ficar eternamente arreigados ao nicho dos «malucos dos bonequinhos». Essa visão redutora existe! E tem-nos prejudicados a todos: autores, editores, livreiros, críticos, leitores… É preciso desconstruí-la. Este é mais um passo. E neste particular todos os passos contam :)
Quanto ao facto de tudo parecer um pouco antiquado, neste processo da Academia, é verdade (a “tomada de posse”, as insígnias, os discursos…). São instituições muito antigas, que assumem com seriedade este “modus operandi”. Apenas isso. Não vem mal ao mundo por aí 😊
Um abraço!
Olá Paulo!
Começo por agradecer a tua atenção. É sempre agradável trocar algumas palavras contigo. Eu não tenho qualquer dúvida que procuramos o mesmo para a Banda Desenhada em Portugal, e tu ainda mais do que eu, não só pelo teu trabalho e dinâmica em prol, bem como pelo estatuto que alcançastes… és um verdadeiro embaixador da BD nacional. Agora sabemos onde queremos que a BD chegue, divergimos é na visão do caminho a seguir 😊
Quando li algures que o dia 18 seria um dia histórico(?) para a BD e observei uma reação demasiadamente entusiástica apenas pelo reconhecimento por parte da Academia de Belas-Artes, franzi a testa e esbocei um sorriso. Confesso que não sou de alinhar em grupos. Será que alguém pensou no que isto vale ou correm todos uns atrás dos outros?
A própria expressão, usada no anúncio, de considerar agora a BD como “uma forma superior de expressão da cultura” achei-a demasiado pretensiosa e snob. É por decreto de Suas Exas. esta forma de olhar agora a BD de cima?
Depois não tenho na memória recente qualquer investigação, estudos, ou trabalho significativo ou impactante realizado por parte desta Academia, em prol de qualquer outra arte, e que tenha sido objecto de espaço de divulgação e discussão na comunicação social e na opinião pública.
Aliás, a consulta na página desta entidade dá-nos muito pouca informação. Por exemplo, não se consegue perceber que artes é que são consideradas como de “forma superior”. Depois temos a cena das insígnias, das cadeiras numeradas, dos jubilados, etc, que caracteriza uma instituição que parece que parou no tempo.
Não me parece que seja este o caminho que queira para a promoção da BD nacional, ser considerada uma arte superior relativamente às demais ainda não reconhecidas, feita por uma entidade que se rege como se de um clube privado se tratasse. O caminho deve ser literalmente o oposto, uma arte tratada e reconhecida como uma forma cultura popular, sem rótulos, ao alcance de todos.
Também não partilho que a BD nos dias de hoje seja vista como um nicho dos «malucos dos bonequinhos». Já passamos essa fase. Basta olhar para a actual realidade, e para a diversidade de novas editoras que entraram e continuam a entrar nesta indústria para perceber que o nosso mercado, tanto em termos de obras e de leitores já não é assim tão redutor. A desconstrução que referes tem sido feita e continua-se a fazer e cada vez mais com mais intervenientes. Por exemplo de um festival na Amadora, passaste agora a ter (mais) um festival em Beja, em Coimbra, na Maia.
Agora posso concordar contigo, que esta assunção por parte da Academia vale o que vale, e que mal não faz. Mas não passa disso, na minha humilde opinião. 😊
Grande Abraço
Olá Nuno,
Não é a incorporação da Banda Desenhada na Academia, a par do Cinema e da Dança que lhe vai conferir validade, como é óbvio. Mas a Academia Nacional das Belas-Artes é um espaço de investigação e divulgação das artes que considera como património a preservar a "todo o custo", e esta é uma preocupação que dificilmente reconhecemos nas entidades que normalmente circulam em torno da banda desenhada, tais como as edilidades e mesmo certas editoras.
Cabe a todos nós descobrir e propor à Academia o que ela pode fazer pela BD portuguesa e pela credibilização dos seus autores. Sabendo que, sim, é uma instituição que usa termos antiquados e tem tiques de clube, mas que está a tentar mudar.
Quando encetámos os primeiros diálogos com os membros da Academia, há alguns anos atrás, percebemos que que tínhamos um longo trabalho pela frente, mas conseguimos dar a conhecer a BD como um todo e todos os autores foram reconhecidos como um todo.
Será lógico que este reconhecimento seja valorizador para todos e assim em unidade procuremos divulgar a BD. Sempre achei que as qualidades de partilha e entreajuda deviam ser encorajadas enquanto as atitudes do contra andam muitas vezes associadas ao egocentrismo. Se existe uma altura para lutarmos do mesmo lado, este é a altura.
Olá Penim,
A Academia Nacional de Belas-Artes pode ser muita coisa e mais tudo o que couber dentro dos seus estatutos, mas na teoria, porque na prática quem é que conhece realmente o seu trabalho? Foi como falamos no outro dia, uma pequena sondagem e com grande probabilidade ninguém deve saber muito bem o que é ou que faz ou o que serve esta Academia. Ora, se não é conhecido por uma larga maioria e discutido na opinião pública o seu trabalho ou qualquer outro seu contributo em prol das artes, como pode então servir à promoção e divulgação da Banda Desenhada?
Até posso ir mais longe nos exemplos e dizer, aproveitando o facto do cinema ter sido igualmente reconhecido como “arte superior” (não consigo deixar de esboçar um sorriso com esta expressão), que mais de cem anos depois da chegada das "imagens em movimento" a Portugal é que a Academia veio reconhecer esta arte… então como preservar este património “a todo o custo” se já chega com 100 anos de atraso? E o mesmo posso dizer da BD. Mas a “sorte” do cinema é que já tem uma instituição como a Cinamateca Portuguesa, essa sim reconhecida, com actividade em prol conhecida e com a missão especifica de “recolher, proteger, preservar e divulgar o património relacionado". Não precisa de carimbos de academia!
Pessoalmente defendo que a precisarmos de uma instituição que sirva para proteger, preservar e divulgar a BD nacional e valorizar os vários intervenientes, não é de todo uma Academia que cheira a bafio, mas sim uma entidade, uma Bedeteca Portuguesa, que sirva a banda desenhada portuguesa da mesma forma que a existente Cinamateca serve o cinema português. A seguir um caminho seria sem dúvida este.
E aproveitando a boleia do zum-zum que isto tudo criou, posso acrescentar que não observo qualquer vantagem na criação de um dia para a BD portuguesa. Parece-me daqueles anúncios fogo-artificio, muito giro mas com efeitos práticos a tenderem para zero. Serve muito mais a bd nacional e os autores portugueses, por exemplo, o facto do festival Amadora BD atribuir o um prémio monetário ao autor da melhor obra. A promoção e divulgação da BD precisa de coisas palpáveis e não de medidas poéticas!
Um abraço,
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