Acabei agora a (re)leitura do recém-lançado «Tintin na América», que por se tratar de mais uma reedição não seria aqui objecto de qualquer nota, se não se estivesse aqui a falar do álbum em versão facsimile, de edição limitada e numerada, da ASA
Esta leitura é sobre a segunda versão redesenhada e colorida por Hergé para publicação em 1945 pela editora francesa Casterman.
A escolha desta história, não obstante ser o terceiro álbum na cronologia oficial, para abrir a colecção fac-similada da ASA deve-se talvez ao facto de "Tintin na América" ter sido a primeira aventura deste herói a ser publicada em Portugal, em 1937, nas páginas da publicação O Papagaio (ver mais abaixo).
Salve-se o facto de a lombada não apresentar qualquer numeração o que permite a sua posterior arrumação por ordem correcta na nossa bedeteca.
Muito bom é a oportunidade de voltar ler esta aventura no tradicional formato franco-belga depois daquele infeliz formato que a ASA inventou para a reedição da «Colecção Tintin».
«Tintin na América» apesar de ter um ritmo narrativo bastante elevado, é na minha opinião, uma das histórias menos conseguidas de Hergé. Sucedem-se as situações mais inverosímeis que se possa imaginar, com o autor a socorrer-se muitas vezes de soluções pouco conseguidas e direi infantis para ajudar com o nosso herói a escapar sempre ileso das inúmeras armadilhas com que se defronta ao longo da aventura.
O nosso repórter chega à América com a missão de combater a onda de crime que varre a cidade de Chicago. A aventura desenrola-se por diferentes cenários, desde da cidade até aos territórios índios, motivada sobretudo pela perseguição ao chefe do Sindicato dos Bandidos de Chicago, o gangster Bobby Smiles. Sucedem-se as peripécias com bandidos, Tintin chega a cruzar-se inclusive com o famoso Al Capone, agentes da autoridade, cowboys e índios. Antes do final, ainda há lugar ao rapto de Milu, mas tudo termina em bem (desculpem o spoiler!) após um confronto numa fábrica de conservas, com Tintin a ser reconhecido como herói com direito a desfile numa das tradicionais paradas americanas pelas ruas de Chicago. Registe-se a contabilidade final desta aventura: 355 gangsters presos!
Da edição fac-similada, quando comparada com o álbum que possuo (colecção do Jornal Público, Dezembro de 2003) - que reproduz a terceira versão da história redesenhada em 1973 por imposição dos editores americanos - para além das óbvias diferenças como a capa dura e ao nível da coloração, existem alguns pormenores preciosos ao nível do desenho que nos permitem perceber que Hergé se mostrava bastante critico da sociedade americana.
Logo na primeira vinheta da história observamos um bandido que se passeia à vontade de arma na mão enquanto um polícia lhe faz continência.
Bem-vindos à América de Hergé!
Uma América sem lei, tomada por um capitalismo selvagem, onde sobrevivem índios ingénuos e negros estereotipados por uma visão preconceituosa da época. É justamente sobre as personagens negras da história onde se verifica as principais alterações do desenho. Ou o aspecto físico é alterado (primeiro exemplo) ou simplesmente são substituídas por personagens brancas (restantes exemplos).
Veja-se o confronto entra as primeiras vinhetas à esquerda (publicadas em 1945) e as segundas vinhetas à direita publicadas em 1973
A grande mais-valia na reedição destes clássicos é sem dúvida prazer que proporciona aos leitores bedéfilos na descoberta das diferenças, no seu entendimento e sobretudo na sua contextualização no tempo. Uma aposta seguramente ganha!
A avaliação global que faço deste álbum, leva em linha de conta uma edição excelente e uma história que como já referi anteriormente é das aventuras mais fracas de Tintin.
Tintin na América - Edição fac-similada
Autor: Hergé
Álbum a cores, cartonado, numerado, com edição limitada a 2000 exemplares
Editora: ASA, 1ª edição de Abril de 2011
Nota de Leitura:
Razoável
(3 em 5)
«Tintin na América» em Portugal
A publicação da aventura “Tintin na América” em Portugal marcou a internacionalização das histórias de Tintin, que até à data na altura nunca haviam sido publicadas num país não-francófono. E logo a cores o que também constituiu um facto inédito.
Esta dupla estreia aconteceu a 16 de Abril de 1936 nas páginas do n.º 53 da revista O Papagaio. A aventura estendeu-se até ao n.º 110. Como curiosidade, Tim-Tim como então era chamado apresentava-se como repórter d’o Papagaio.
Seguiu-se uma nova publicação, em 7 de Janeiro de 1956, com inicio nas páginas do n.º 210 da revista Cavaleiro Andante.
Mais tarde, em 1972, foi a vez da versão portuguesa da revista Tintin publicar as aventuras deste herói na América.
A edição em álbum de “Tintin na América” aconteceu pela editora Verbo em 1995. Seguiram-se edições do Circulo de Leitores (2000), Jornal Público (2003), ASA (2010) e agora a versão fac-similada, também pela ASA.