Análise do Mercado Editorial Nacional de Banda Desenhada
Introdução
Prestes a fechar 2025, é impossível não olhar para trás e reconhecer que foi um ano marcante para o mercado editorial português de banda desenhada. O grande acontecimento, sem margem para qualquer dúvida, foi o lançamento, em Outubro último, da 41º aventura de Asterix e Obelix, que trouxe finalmente os irredutíveis gauleses até terras lusitanas, e os próprios autores, Jean-Yves Ferri e Didier Conrad, a Lisboa. A editora ASA preparou uma tiragem inicial impressionante de 80.000 exemplares que não chegou para as encomendas. Em quatro dias vendeu mais de 30.000, e dois meses depois, Asterix na Lusitânia vai na sua quarta edição, com mais de 150.000 álbuns vendidos. É um dos maiores, senão mesmo o maior, sucesso editorial de sempre no campo da BD, e indiscutivelmente o livro mais vendido do ano em Portugal.
Outra nota que vale a penas destacar foi o forte crescimento da edição de manga, que pela primeira vez superou a BD franco-belga em número de edições. Por uma questão de simplificação, junto manga, manhwa e manhua sob a designação genérica “manga” para identificar as obras oriundas de mercados asiáticos. A diferença foi pequena (+1%), mas simbolicamente importante. Com efeito a edição de manga representou 39% da oferta total registada, muito alavancada no excelente desempenho da editora Devir, que teve em 2025 um ano verdadeiramente histórico, acompanhada pelo forte crescimento da oferta por parte das editoras Distrito Manga e Editorial Presença. Mas já volto a este assunto.
Agora vamos aos números!
O MERCADO
Para 2025, a expectativa era saber como reagiria o nosso mercado editorial depois de um 2024 considerado como o melhor de sempre. O resultado? Surpreendentemente estável. Foram contabilizados 381 novos lançamentos de obras de BD (ver Anuário), no formato físico (e contagem pelo ISBN). É verdade que representa uma pequena quebra de 1% face ao ano anterior, e interrompe assim um ciclo de quatro anos consecutivos de crescimento, mas mesmo assim faz de 2025, o segundo melhor ano de sempre.
Da análise que podemos dizer que temos um mercado que se mantém concorrencial, onde encontramos um top-10 de editoras que garante 73% da oferta total, que se encontra dividido de forma equilibrada entre editoras independentes, que representaram 44% da oferta, as chancelas dos grupos editoriais, como a Penguin, Leya, Porto Editora e Presença, responsáveis por cerca de 29%. A restante oferta foi assegurada por pequenas editoras ou chancelas com 10 ou menos livros editados.
Por mercados de origem, foi a confirmação da tendência dos últimos anos, com a edição de manga (39%) a superar os números da bd europeia (38%), excluindo aqui Portugal. Assim, em 2025 o mercado nacional surge bipartido, com o manga e a BD franco-belga, juntos a somarem 77% dos lançamentos, e a confirmarem estas duas “línguas gráficas” como eixo central da oferta.
A BD portuguesa surge na terceira posição, com 49 lançamentos (13% da oferta), com uma concentração de novos títulos sobretudo a partir de Abril, e com picos nos meses ligados à realização dos festivais nacionais de banda desenhada. Um número em linha com o referencial dado pela média dos três últimos anos (50 títulos). Relativamente à BD norte-americana, apesar dos números relativamente baixos, mantém a sua regularidade com uma oferta próxima dos 10%.
No que toca a géneros, de destacar a publicação de banda desenhada destinada ao público infanto-juvenil, que continua como uma das apostas mais fortes no nosso mercado, com 15% da oferta concentrada sobretudo nas chancelas dos grupos editoriais. Pela negativa, géneros como western (1%), super-heróis (2%) ou ficção-cientifica (7%) continuam a não merecer uma grande atenção por parte das nossas editoras.
No calendário editorial, observa-se um forte alinhamento dos lançamentos com os meses de realização dos festivais nacionais de BD. O ano iniciou-se de uma forma moderada, e concentrou-se sobretudo a partir de Abril e foi em crescendo até ao pico verificado em Junho (45 lançamentos), beneficiando da realização dos festivais de Coimbra BD (Abril), Maia BD (Maio) e Beja BD (Junho). Segue-se uma quebra normal típica dos meses do Verão, e depois novo pico em Outubro (49), desta coincidente com a realização do Amadora BD. Dezembro voltou a fixar-se como o mês mais fraco (11) justificado pelo elevado numero de lançamentos que se verificam nos dois períodos que antecedem, e que concentraram quase 25% da oferta anual.
Em 2025, o cabaz completo, composto por todos os 381 lançamentos de BD, apresentou um custo total de € 6.619,80 com o preço médio de um livro de BD a fixar-se em € 17,37. Valores em linha com os verificados no ano anterior, o que pressupõe uma estabilização de preços. Em termos de preço de capa, o livro mais barato contabilizado foi uma edição da livraria/editora Sétima Dimensão (Madeira) por € 5,00 e no extremo oposto, encontramos como a edição mais cara, o segundo volume do integral Fábulas das Terras Perdidas da editora Arte de Autor com o preço de € 49,00. Assinala-se que o valor de venda mais praticado, mais uma vez, foi de € 9,99, novamente ditado pela editora Devir e pelas suas edições de manga.
AS EDITORAS
Em 2025, tivemos cinco dezenas de editora/chancelas activas no mercado português. Contabilizam-se aqui todas aquelas que editaram pelo menos uma obra de banda desenhada, com ISBN atribuído. Conforme já referido no top-10 observa-se uma distribuição equilibrada entre editoras independentes e chancelas integrantes de grupos editoriais. Volto a referir que não existe informação disponível acerca de tiragens e valores de vendas, pelo que o “peso” da cada editoras é aqui definido em função do número de novos lançamentos de cada uma face ao total do mercado.
Sem surpresa, no topo das editoras nacionais, e pelo quinto ano consecutivo, encontramos a DEVIR. A novidade é dada pelo forte crescimento da sua oferta (+42%), que totalizou 91 novos títulos (dos quais 83 de manga). Um número que constitui um marco histórico para a editora, num ano em que reforçou o seu catálogo com BD de origem franco-belga e novos títulos americanos. Nos seus títulos mais vendidos encontramos as séries One Piece e Dragon Ball. Sozinha, a editora representa 24% da oferta total.
Na segunda posição, encontra-se a editora ASA, pertencente ao grupo Leya. Também sem surpresas, uma vez que repete o lugar do ano passado. Cabe-lhe uma quota, em termos de lançamentos, de 10%. Apesar da quebra no número de lançamentos em relação a 2024, fica como a editora que mais vendeu em 2025, graças ao seu Asterix na Lusitânia.
A fechar o pódio de 2025, temos duas editoras em ex-aequo: a DISTRITO MANGA (grupo Penguin) e a LEVOIR com 25 lançamentos cada. A primeira apresentou a maior taxa de crescimento entre todas, com um aumento de 67% da oferta. Com um catálogo assente na edição de manga, encontramos os títulos Blue Lock e o primeiro volume de Sailor Moon como os seus mais vendidos do ano. Segue-se a Levoir, que apesar da sua forte quebra (-40%), manteve uma aposta regular em novelas gráficas que lhe garantem a terceira posição neste pódio.
O top-10 completo é dado pelo quadro seguinte:
De mencionar a queda das editoras Gradiva e G.Floy. A primeira foi integrada no catálogo da editora Guerra e Paz, sendo por enquanto uma incógnita o futuro do seu catálogo de BD. A segunda vai mantendo, por enquanto, uma presença residual em Portugal.
Observando numa óptica de grupos editoriais, temos a Penguin Livros a dominar com 53 lançamentos, resultado da actividade das suas sete chancelas que editaram banda desenhada; na segunda posição, encontramos a Leya, com cinco chancelas e 47 lançamentos; e na terceira posição a Porto Editora, com três chancelas e 26 lançamentos, e a fechar este top, a Editorial Presença, com três chancelas e 25 lançamentos.
OS CANAIS DE DISTRIBUIÇÃO
Sem valores torna-se difícil estabelecer com rigor qual o principal canal de distribuição da banda desenhada em Portugal, mas atendendo aos hábitos de consumos dos portugueses, pode-se adivinhar que as livrarias físicas, tanto das grandes cadeias de distribuição ou independentes, continuam a ser o principal ponto de venda de BD em Portugal. No entanto, cresce o peso das vendas diretas online e das vendas em eventos, um modelo que apresenta a grande vantagem financeira de eliminar os intermediários na cadeia editor-leitor.
OS FESTIVAIS DE BD
Todos os principais festivais nacionais de BD realizaram-se em 2025, à exceção da Comic Con, que foi adiada para 2026. Uma oferta complementada com outros pequenos eventos, mostras e mercados, que foram acontecendo pouco por todo o pais, incluindo os Açores (Ponta Delgada). Continuamos, no entanto, com uma grande concentração de festivais no segundo trimestre do ano (Coimbra, Maia e Beja), e depois um hiato até finais de Outubro quando acontece o Amadora BD. A sobreposição de datas prevista para 2026 (Coimbra BD e Comic Con no mesmo fim de semana), a realização do Maia BD praticamente colado ao Beja BD e as vantagens do mês de Setembro para o Amadora BD, mostra que talvez seja tempo de repensar o calendário nacional para uma melhor promoção da banda desenhada em Portugal.
OS CANAIS DE DIVULGAÇÃO
As redes sociais continuam a ser o canal privilegiados de divulgação das novidades por uma grande parte das editoras, quer seja através das contas próprias e/ou por intermédio de divulgadores com quem uma grande maioria destas mantém uma colaboração activa. Uma das formas de medir o alcance ou eficácia da divulgação será pelo número de visitantes. Socorro-me outra vez de números.
Tomando este espaço de divulgação como exemplo, porque tenho os dados, posso afirmar que no que toca à procura por informação sobre BD, o ano que agora termina foi verdadeiramente extraordinário. A verdade é que, sem grande espalhafato nem fogo-de-artificio, o blogue NOTAS BEDÉFILAS quebrou a barreira dos 2 milhões de visitantes algures em Julho, e, desde então, já acrescentou mais 244.000 e fecha o ano de 2025 com mais de 400.000 visitas (uma taxa de crescimento de quase 58% face ao ano anterior), o que dá uma média superior a 33.000 visitantes por mês. O melhor resultado de sempre. Confesso que não é o que me move, mas fico naturalmente satisfeito com estes números, e sobretudo agradecido pelo interesse no trabalho de divulgação aqui feito.
E porque está tudo ligado, o grupo BANDA DESENHADA PORTUGAL (facebook), de partilha de toda a informação relacionada com o universo de banda desenhada alcançou os 10.000 membros, sendo um dos maiores espaços portugueses virtuais dedicados à BD. Assim, uma das conclusões que podemos retirar destes números, é que reflectem bem a vitalidade do nosso mercado: mais oferta, mais informação, mais leitores.
O DIA NACIONAL DA BD PORTUGUESA
Quanto ao celebrado Dia da Banda Desenhada Portuguesa, passou, mais uma vez, completamente despercebido, sem quaisquer iniciativas de destaque por parte das editoras, e um silêncio absoluto na comunicação social. A própria Sociedade das Belas-Artes, cuja data de reconhecimento da BD como uma das artes superiores, que tanto entusiasmo histérico despoletou por essas redes sociais fora, nem uma referência teve, um pouco à semelhança do que (nada) faz pela divulgação da Banda Desenhada em Portugal ao longo do ano. Talvez a partir de 2026, a data ganhe alguma relevância dado que o governo criou o Prémio Nacional de Banda Desenhada com um valor monetário de 30 mil euros, e a Ministra da Cultura prometeu que a divulgação anual dos nomes dos premiados será feita precisamente no dia 18 de Outubro. Pronto, na falta de melhor temos o anúncio.
Conclusão
Fechamos assim 2025 com o retrato de um mercado de BD equilibrado, que se mostra estável, com uma oferta diversificada, dos 7 aos 77 anos, e para o qual se observa que existe um público interessado que procura manter-se informado e que acompanha e alimenta a dinâmica editorial. E a certeza de que a BD continua como um sector vivo. Agora há espaço para os vários agentes intervenientes pensarem melhor acerca da sua promoção e visibilidade. Para 2026, pode-se dizer que logo em Janeiro vamos começar em grande. Talvez seja o prenúncio de mais um excelente ano. Boas leituras!






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