
O editor
Manuel Caldas continua o seu laborioso trabalho de recuperação, restauração e publicação de clássicos da banda desenhada, conforme já várias vezes foi referenciado neste blogue (ver
aqui,
aqui e
aqui). O seu novo lançamento, cuja apresentação aqui faço (a imagem é da capa) é (mais) um bom exemplo disso.
Manuel Caldas propõe-nos agora “
Os meninos de Kin-der”, um álbum de 40 páginas, que reúne as pranchas desenhadas por
Lyonel Feininger, um ilustre desconhecido pintor, talvez para a grande maioria de nós (eu incluído), que viveu entre 1871 e 1956, e que foram publicadas nas páginas de
The Kin-der-Kids e
Wee Willie Winkie's World.
Deixo aqui a síntese de introdução, feita por Rúben Varillas:
A banda desenhada, na sua evolução histórica, viu-se sujeita a um paradoxo digno de figurar nos anais da historiografia artística: chegou à pós-modernidade sem ter passado pela modernidade. No entanto, muito antes da pós-modernidade houve um período de ensaio, busca e experimentação, um momento em que estiveram prestes a abrir-se muitas portas (que afinal acabaram por ficar entreabertas): algo similar ao que noutros meios artísticos se reuniu sob a etiqueta de As Vanguardas. Na banda desenhada, nas mesmas datas em que a pintura, a escultura ou a literatura estavam em plena convulsão criativa, apareceu uma série de artistas dispostos a fazer arte com as vinhetas e a situá-las ao nível artístico desses outros veículos mais sérios, digamos assim.
Foram poucos e ousados. E Lyonel Feininger foi o menos reconhecido (e por consequência menos apreciado). O artista menos autor de banda desenhada, menos prolífico, menos ortodoxo desses primeiros tempos. As escassas pranchas que realizou constituem uma verdadeira aventura visual: nem chegou a um ano. Tempo suficiente, afinal de contas, para demonstrar que os bem sucedidos expressionismo e cubismo que começavam a inundar as telas da Europa também tinham lugar nas páginas dos jornais norte-americanos. Mas, apesar de não ter alcançado o triunfo que merecia pela sua faceta de autor de banda desenhada, Feininger obteve um aceitável reconhecimento como pintor daquelas mesmas correntes de vanguarda que atrás mencionamos.
Curiosamente, ao longo de toda a sua produção pictórica posterior, Feininger manteve muitas das constantes estilísticas que já tinha antecipado na banda desenhada. Nas suas pinturas expressionistas e numerosas xilogravuras encontramos arquitecturas oblíquas, edifícios angulosos e paisagens tão violentamente deformados como os que apareceriam nas páginas de The Kin-der-Kids e Wee Willie Winkie's World.

Feiniger nunca deixou de estar em contacto com a Vanguarda, primeiro graças à sua já referida adscrição estética e artística ao movimento expressionista alemão (e às suas posteriores influências cubistas) e mais tarde com a sua entrada na Bauhaus, sendo o responsável pela oficina de impressão e o único membro da escola que esteve nela desde o início até ao encerramento.
A edição que têm nas mãos é uma homenagem a Feininger e à sua obra, ao seu virtuosismo gráfico, ao seu inteligente emprego da cor e à audácia infinita deste autor eternamente encolhido na sombra do reconhecimento. O trabalho levado a cabo no restauro das páginas de jornal de The Kin-der-Kids e Wee Willie Winkie's World (incluem-se duas pranchas representativas desta série no presente volume) faz-nos redescobrir a obra de Feininger e mostra-no-la com uma nitidez gráfica como nunca antes foi possível vê-la. Graças ao restauro e ao grande formato, ressurgem os mares e condensam-se as nuvens, elevam-se majestosos os edifícios nova-iorquinos nas margens do rio Hudson, recortam-se diáfanos os perfis angulosos das suas personagens sobre os barcos e demais engenhos motorizados que percorrem as páginas. Ressurge, afinal, o talento de um desenhador de histórias aos quadradinhos adiantado para a sua época, um dos que poderiam ter mudado definitivamente a história da banda desenhada.
Esta edição, que terá um preço de venda de € 22, ainda não tem data marcada de distribuição pelas livrarias, mas encomendas podem ser feitas directamente através da
página do editor.