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18 outubro, 2023

A BD senta-se à mesa das Belas Artes!

 
Parece que hoje é um dia histórico para a BD! A partir de hoje, em pleno século XXI, a Banda Desenhada passou a ser considerada em Portugal como… “uma forma superior de expressão da cultura
 
O que é isso? É um reconhecimento com o excelso carimbo da Academia Nacional de Belas-Artes (quem?). Procurei saber que outras belas artes partilham dessa dita superioridade, mas parece que a informação não está disponível. A tribo bedéfila exulta-se por essas redes sociais fora pela consideração. Eu, sinceramente, confesso não partilhar desse entusiasmo. E confesso também não o perceber.
 
Recordo que por cá a Banda Desenhada tem raízes profundas que remontam ao final do século XIX. Em 1872, Bordallo fez publicar os Apontamentos de Raphael Bordallo Pinheiro sobre a Picaresca Viagem do Imperador de Rasilb pela Europa, o primeiro livro de banda desenhada editado em Portugal. Portanto, já lá vão mais de 140 anos desta arte de contar histórias sob a forma de narrativa gráfica!
 
E desde então até aos dias de hoje, o caminho não foi fácil, com os seus altos e baixos, é certo, mas feito sempre sozinho, lutando contra estigmas de infantilidade, censuras, restrições e rótulos de sub-cultura antipedagógica, e desempenhando sempre um importante papel na cultura popular e na literatura ao longo de décadas. E eis-nos chegados a 2023, com um mercado de edição pujante, com uma oferta literalmente diversificada para todos os públicos, com festivais dedicados a norte e sul do país, com autores reconhecidos no estrangeiro e obras portuguesas publicadas em vários países. 
 
E chega agora o reconhecimento. Precisamos dele? Claro que não, soa a ridículo!
 
Mais ridículo, quando vemos que juntamente com a Banda Desenhada, surgem também o Cinema e a Dança, pasme-se, outras manifestações de culturas menores que só a partir de hoje se podem sentar à mesa das Belas Artes. 
 
Sinceramente, faz-se mais pela Banda Desenhada em Portugal, quando um livro de bd entra para o Plano Nacional de Leitura, quando se atribui uma bolsa para uma residência artística ou quando uma Câmara Municipal financia a realização de um festival, do que estas “insígnias ao peito”! 
 

21 dezembro, 2022

Uma Selecção para o Natal!

Na semana do Natal, o exercício é deixar aqui 12 sugestões de livros de Banda Desenhada para oferecer! A escolha é entre as mais de 280 obras que foram lançadas este ano em Portugal. Como em qualquer escolha sou movido por um gosto pessoal, mas a ideia é mesmo escolher the crème de la crème, tendo em atenção o destinatário da oferta, a qualidade da obra, na história, no desenho, na edição.
 
Existe na linguagem económica, uma feliz expressão se traduz num importante indicador, que sintetiza toda uma ideia: Value for Money (VfM). Ora, estabelecendo aqui uma relação custo-benefício na compra de um livro, sendo o custo o preço que pagamos pela obra, e o benefício a qualidade da obra e prazer que se retira da sua leitura, são estas minhas escolhas VfM para este Natal (a ordem de apresentação é arbitrária):
 
  • Flora e Bambu (Lilliput)

Já aqui tenho falado do bom trabalho que o grupo do Pinguim tem feito na edição de banda desenhada destinada aos mais novos (+6 anos), e como estes também merecem as suas novelas gráficas, parece-me importante incluir nas sugestões a colecção Flora e Bambu. As histórias de amizade, aventura e descobertas destas duas personagens pareceram-me as mais bem conseguidas, pelo seu registo bastante engraçado, de desenho cativante e linguagem simples. O ideal para as primeiras leituras e uma bonita porta de entrada para o mundo da BD.

  • One Piece, vol. 1 - A Alvorada da Aventura (Devir)

O mangá tomou de assalto as prateleiras de banda desenhada das livrarias nacionais, e quem melhor para liderar esse assalto senão aquele que aspira ser o Rei dos Piratas. A fama do mangá mais vendido em todo o mundo diz praticamente tudo sobre esta colecção. Este é o primeiro livro em português e apresenta-se num inédito volume triplo. Pela sua popularidade é, sem dúvida, a edição do ano da editora, e uma boa opção de compra.

  • Spirou - Diário de um Ingénuo (ASA)
E que tal um Spirou servido em moldes completamente diferentes? O autor Emile Brávo surpreende-nos aqui totalmente com um equilibro bem conseguido entre o respeito pelo espírito original da personagem e sua atualização para os nossos tempos, num cenário pré-Segunda Grande Guerra, e com um registo gráfico que presta uma bela homenagem ao clássico franco-belga. Obrigatório. Um dos álbuns do ano.
 
 


  • A Adopção (Ala dos Livros)

O argumentista Zidrou abre-nos de novo as páginas para mais uma dose de compaixão. No bonito registo gráfico de Arno Monin, não ficamos indiferentes ao crescimento de um amor que vai sendo construído pela companhia e cumplicidade à medida que se desenrola a história de uma adopção, mas que não resiste à crueldade de uma realidade. Preparem-se para uma explosão de sentimentos numa edição integral e cuidada. Magnifico. 

  • Undertaker - vol. 3: O Monstro de Sutter Camp (Ala dos Livros)

Se a saga de um cangalheiro itinerante pelas terras de oeste pós-guerra civil americana já é de leitura recomendada, as histórias de vingança trazida nesta primeira parte do díptico elevam a fasquia da série. Uma nova personagem que emerge do passado dá um outra dimensão à palavra vilão. Os desenvolvimentos são rápidos e a leitura é ávida, e ao leitor vai sendo servida pausadamente, e em doses generosas aspectos da terrível e hipnotizante personalidade desta personagem que dá o título a este terceiro álbum. Trata-se do melhor western que foi por cá publicado este ano. E quem lê este primeiro álbum vai rapidamente querer ler o segundo.

  • A Vingança do Conde Skarbek (Arte de Autor)
Uma clássica história de crime e castigo com a acção a decorrer nos meios artísticos parisienses, em meados do século XIX, ilustrada num registo gráfico sumptuoso quase impressionista pelo fabuloso Grzegorz Rosinski. Só por esta combinação já vale a compra. O argumento assinado por Yves Sente é cativante e manipulador. Brinca com leitor com as sucessivas reviravoltas na história, onde ninguém é quem parecer ser. Já vos falei do desenho? O álbum apresenta-se numa belíssima edição integral. Outra das minhas escolhas para os álbuns do ano! 
 
  
  • Monstros (G.Floy)

Literalmente e em todos os sentidos é um livro monstruoso estas mais de 350 páginas de Barry Windsor-Smith, onde o preto e branco do seu traço intenso confere uma atmosfera ainda mais dramática a toda a história já por si complexa e angustiante. O plural do título não é inocente, porque nos traz a loucura da guerra dos Homens e as suas vítimas, e os culpados nos seus diferentes contextos e relações. A carga emocional é violenta, onde ninguém sai ileso, incluído o próprio leitor. Uma bela edição que enriquece qualquer bedeteca.

  • Dante (Ala dos Livros)

Mais um ano mais um álbum, bem pode ser o mote de Luís Louro, que se confirma cada vez mais como o autor português de banda desenhada mais prolífico do panorama actual. Neste álbum, sai da sua zona de conforto de Lisboa, e aventura-se numa amalgama de temas que lhe são queridos, como os Messerschmidt’s e o seu chamado Louroverso, um universo povoado por fadas e goblins e salpicado pelas inúmeras referências. Passada durante a Segunda Grande Guerra, temos uma história de fantasia cheia de simbolismo, da luta do bem contra o mal, de leitura complexa onde o autor cria camadas de leituras deixando o leitor ir estabelecendo os seus paralelismos. Tudo isto é servido numa irrepreensível numa belíssima composição gráfica cheia de dinâmica e cor à qual o Louro já nos habituou. Mais uma bela edição feita com amor da editora.

  • Noir Burlesque (A Seita/Arte de Autor)
Nesta recomendação impõe-se uma declaração de interesses: Enrico Marini, é para mim, dos melhores desenhadores da actualidade. Autor completo, multifacetado, o seu traço elegante e realista enche qualquer página, captando na perfeição qualquer ambiente. Só pelo desenho já valia a pena a compra deste álbum. Mas Marini, faz mais, acrescenta uma história, e transporta-nos para os anos 50 numa homenagem ao cinema americano, assumindo, sem complexos, os clichés clássicos do policial noir, como a figura do gangster, da mulher fatal, o triângulo amoroso. História servida num preto e branco, onde o vermelho realça a sensualidade e a fatalidade. Obrigatório.

 

 

  • Rugas (Levoir)
Este livro não é uma novidade porque se trata de uma reedição, mas daquelas que se justifica plenamente ou não estivesse a obra esgotada. Em Rugas, do autor espanhol Paco Roca, conhecemos Emílio, bancário reformado, portador da doença de doença de Alzheimer e esquecido pelo filho num lar de idosos. Está dado o mote para uma história com uma dimensão humana como poucas histórias em banda desenhada conseguem alcançar. Ainda que o tema principal da história seja a doença de Alzheimer, Paco Roca estabelece um fio condutor que toca a doença, a velhice e a amizade, numa abordagem realista com uma linguagem simples. Rugas é assim uma obra que olha com respeito para o principio do fim, traduzindo-se num bonito e critico ensaio sobre a velhice, o qual dá gosto ler e emocionar. Não há como não gostar. Das melhores obras de Paco Roca.
 
  • Blacksad - Algures entre as sombras
E porque estamos numa de reedições, não posso deixar de sugerir mais esta que saiu este ano. Para quem ainda não conhece Blacksad da fantástica dupla Díaz Canales e Juanjo Guarnido, tem aqui, neste primeiro volume da série, mais uma excelente oportunidade para entrar neste universo noir povoado por personagens antropomórficos, cujas características e comportamentos servem na perfeição a personalidade que representam. John Blacksad, é um gato, um detective privado implacável e incorruptível. As histórias narram as aventuras de um herói solitário numa América de poderosos nos anos 50, navegando entre temáticas como o homicídio, o racismo, a corrupção.  A qualidade gráfica é irrepreensível.  Este primeiro volume apresenta-se numa edição requintada enriquecida com um maravilhoso caderno de extras apresentado pelo desenhador Guarnido. Obrigatório.
 
  • Little Tulip (Ala dos Livros)
Neste álbum regressamos ao mundo de Charyn e Boucq. Histórias onde a qualidade do argumento rivaliza com a qualidade do desenho. Começamos por acompanhar Paul, um tatuador que colabora com a polícia de Nova Iorque na identificação de assassino em série, e em flash-backs do seu passado vamos conhecendo a história da sua difícil infância como Pavel, e como o dom para o desenho lhe permitiu sobreviver no inferno do um gulag. Charyn traz-nos aqui duas histórias paralelas, de um submundo de NY misterioso cheio de lugares escuros e perigosos, e do violento mundo dos gulags soviéticos, com uma auréola de fascínio pela subcultura das tatuagens como condição de afirmação, às quais o traço graficamente realista de Boucq transforma em narrativas intensas. A edição é magnifica. Little Tulip é uma das leituras do ano!
 


24 outubro, 2022

Fim-de-semana de Amadora BD

Findo o primeiro fim de semana da AMADORA BD e já dá para fazer uma pequena crónica do que por lá aconteceu. O sábado começou com a loucura instalada para as sessões de autógrafos. Trinta e três anos depois e a (de)organização resolve instituir o sistema de fila única!!! Percebia-se logo o absurdo da medida, e o único resultado previsível foi um pleno entre leitores, autores nacionais e editores… tudo insatisfeito! Os primeiros porque guardaram durante horas a sua posição na fila para os autores estrangeiros, os segundos porque estavam sem livros para autografar e os terceiros porque ficaram sem clientes nos stands comerciais. Foram feitos diversos alertas, e a coisa podia ter ficado logo ali resolvida em dez minutos, mas a coragem da decisão não se mostrou e o “não podemos” e o “não temos autorização” dos voluntários vingou! Não posso deixar de reconhecer o esforço destes em tentar minimizar o disparate de quem decide!
 
Aproveito e deixo um abraço solidário para o Luís Louro, a quem pela primeira vez o vi de braços cruzados numa sessão de autógrafos, e que depois o obrigou a horas extraordinárias para recuperar os autógrafos pe(r)didos; e outro abraço para o Dário (aka Derradé) que foi chutado para uma mesa de canto e que encontrava literalmente tapada pela fila para autor americano Bob Mcleod. E todos aqueles que beberam um café quente naquela tarde fria de Sábado ao Dário o devem, porque a tomada elétrica da máquina estava mesmo ao seu lado, e sabemos bem que sem eletricidade não há café. Agora imaginem o que seria controlar todos aqueles portugueses em fúria que não conseguiram um desenho do Loisel, do Tripp, do Mcleod e ainda por cima nem um cafezinho de borla podiam beber? Respeito!

E continuando com as originalidades na tarde de Sábado, o que dizer da arte de bem carimbar que foi excepcionalmente bem executada pelo Tripp ao longo de toda a sessão? E para quem pensa que isto de colocar um carimbo é fácil, o autor com todo o seu vigor carimb… desculpem, demonstrou bem o contrário a todos aqueles que durante largas horas esperaram por um pequeno dsenho. Respeito! Quanto ao desenhador Loisel deu uma de escritor e foi para um festival de banda desenhada assinar o seu nome. Digo-vos era pôr-lhe um carimbo no passaporte e recambiá-lo para o Quebeque!

 
Com todas estas emoções e as horas a passar nem dei pelos lançamentos e apresentações que decorriam na outra ponta do espaço.
 
No Domingo, a fila na tenda começava logo na entrada. A fila para as senhas dos autógrafos! Dizem que a noite é boa conselheira e confirma-se. Sem surpresa, e não sendo o ideal, o sistema funcionou relativamente bem, pelo menos em comparação. Repetiram-se os carimbos do outro, pelo que destacaria aqui, sem dúvida, a grande disponibilidade, simpatia e DESENHOS do francês Fred Vignaux (na qualidade de autor do Thorgal) e do americano Bob Mcleod (na qualidade de autor do Homem-Aranha).
 
 
Ontem também foi dia de se conhecer, no próprio recinto do festival (o que faz todo o sentido), os vencedores dos agora Prémios de Banda Desenhada da Amadora. Já se sabe que este ano as nomeações foram anedóticas, que pouco ou nada prestigiaram o festival. Estiveram longe de reconhecer o que melhor se editou durante o ano, e assim sendo não há outra forma de o dizer, um júri incompetente que conseguiu nomear e premiar reedições, e até deixar de fora obras originais e justamente reconhecidas pelo público.

Quanto a vencedores, destaco as vitórias do interessante Estes Dias (edição POLVO) de Bernardo Majer - autor sobre o qual já convidava os leitores a descobrir o “seu mundo” no texto de apresentação que escrevi para a revista Splaft! do festival de Beja - na categoria de Melhor Obra de Banda Desenhada de Autor Português e do visceral álbum O Relatório de Brodeck (edição ALA DOS LIVROS) de Manu Larcenet, uma das grandes edições de 2021, na categoria de Melhor Obra Estrangeira de BD Editada em Portugal.

Nas restantes categorias, tivemos naquela estranha geringonça de Melhor Edição Portuguesa de BD, a vitória da reedição do livro Tu És a Mulher da Minha Vida, Ela a Mulher dos Meus Sonhos (edição A SEITA), de Pedro Brito e João Fazenda; no prémio Revelação, O Crocodilo, ou o Extraordinário Acontecimento Irrelevante (edição da LOBOMAU) de Francisco Valle e Rui Neto; e para o prémio de Melhor Fanzine ou Publicação Independente foi atribuído a Ditirambos: Fauna, que reúne um colectivo de autores nacionais. Fica o registo!

Quanto as exposições, já tinha dito que valem muito uma visita. Não estão todas ao mesmo nível, mas estão bem conseguidas. Para quem conhece as obras é um prazer redescobrir agora em originais; para quem é o primeiro contacto acredito que haja um deslumbre. Pessoalmente, porque tudo é manifestamente uma questão de sentido critico e de gosto, destaco as dedicadas aos Mundos de Thorgal e ao Armazém Central. E gostava que tivesse sido mais desenvolvida e impactante a celebração dos 60 anos do aracnídeo.
 
 
Para o próximo fim-de-semana, não se esperam grandes surpresas, e será praticamente e quase literalmente dedicado aos Portugueses. Vale a visita!
 

29 outubro, 2021

Notas sobre o Amadora BD de 2021

À porta do segundo fim-de-semana do festival, posso afirmar que a (minha) primeira impressão sobre a edição do Amadora BD deste ano é muito positiva. Ainda que pairem algumas nuvens escuras, é um bom começo para uma nova equipa. Assistimos ao regresso de grandes autores estrangeiros publicados em Portugal, a uma excelente presença de autores nacionais, ao lançamento de um grande número de novidades editoriais, e as exposições, em geral, mantém a mesma qualidade de sempre. O festival é isto. Uma celebração da banda desenhada em todas as suas vertentes e em comunhão com todos os seus intervenientes.
 
O Ski Skate Amadora Park, a nova casa do festival, e ao que parece a definitiva (seja lá o que isto signifique para os lados da Amadora) não é dos sítios mais centrais. Aliás, diria mesmo que estamos a falar de arredores da cidade. O parque de estacionamento cheio explica-se porque o carro é a solução mais pratica e mais rápida para chegar ao recinto. Confesso que não tive a noção da adesão do público. Tanto no Sábado como no Domingo, a zona comercial (ver mais abaixo) esteve sempre cheia mas não serve de indicador. No edifício principal encontramos um bom espaço para exposições. Espaçoso e sobretudo bem iluminado, e é neste último ponto que verificamos um absoluto contraste relativamente ao piso negativo do Fórum Luís de Camões. Ao invés de um lugar frio, temos agora um espaço aprazível que acolhe pequenas galerias de arte. No silencio das salas quase que conseguimos ouvir as falas. Não posso deixar de dar, mais uma vez, os parabéns à equipa de cenógrafos que prepara cada área de exposição. Nos cenários sentimos o ambiente de cada história. Nota extremamente positiva.
 
Ficaram ainda por ver as exposições fora do núcleo central do festival. Mas é uma questão antiga esta da descentralização. Pessoalmente acho um erro. Sobretudo porque os restantes espaços de exposição são colocados noutra ponta da cidade. Para um visitante do festival, não é viável, nem se proporciona, sair de um espaço onde tudo acontece para se deslocar para outro apenas para ir ver uma ou duas exposições. O Amadora BD dura 10 dias por ano. Se a Câmara Municipal da Amadora faz mesmo questão na realização das mostras noutros espaços culturais da cidade, recordo que restam ainda 240 dias para o efeito. Nota negativa para a descentralização.
 
No Ski Skate Amadora (sou só eu que acho piada à ideia de escrever as palavras “Ski” e “Amadora” na mesma frase? ), a zona comercial encontramos num segundo edifício. Uma estrutura (tenda) com ar de provisória, mas que vai ficando como definitiva. Aqui gostei da ideia de se concentrar as lojas e os balcões de autógrafos em redor do palco onde decorrem as apresentações e entrevistas. O chamado “três em um” mas com sentido. Apresentação, venda e autografo. É a Santa Trindade de um livro. É certo que não impera o silencio, mas a envolvência dá uma dinâmica de feira onde só se respira banda desenhada. O único senão, a meu ver, é o próprio espaço, que é manifestamente reduzido para as necessidades actuais, e eventualmente futuras.
 
E foi justamente a questão do (pouco) espaço que ganhou maior importância logo no primeiro fim-de-semana do festival. A presença de “pesos-pesados” na categoria de autores, trouxe ao de cima a inexperiência do staff de apoio na gestão do próprio espaço. Acresceu a dificuldade de comunicação. E depois foi correr atrás do prejuízo. Se a implementação de um sistema de senhas é positivo, porque evita a aglomeração de pessoas, não se compreende a obrigação da criação de uma fila no exterior da tenda justamente para os autógrafos. É a subversão de toda a lógica das senhas. Eu, portador de uma senha, circulo a meu belo-prazer, e à medida que se aproxima o meu número, dirijo-me ao local. Agora ficar duas horas à espera numa fila é um absurdo. Ainda há muito a trabalhar e melhorar pela organização neste ponto.
 
No primeiro fim-de-semana, aconteceu também a entrega dos prémios nacionais de banda desenhada do festival. Talvez a única nota positiva dos prémios. Aconteceu no Domingo (4º dia), mas melhor ainda seria se acontecesse na Quinta (1º dia). Tem toda a lógica os vencedores serem conhecidos desde do inicio do evento de forma que todos os intervenientes, sejam autores ou editores, possam durante o festival, beneficiar desse reconhecimento. Até porque sabemos que este é efémero. Porque no pós-festival, não há, infelizmente, conhecimento de qualquer promoção e divulgação, tirando uma ou outra nota que surja na comunicação social, mas que rapidamente é engolida no vórtice de notícias diárias. Diz quem assistiu que a entrega deste ano, que foi uma cerimónia constrangedora, despida de público. Não me surpreende, porque no fundo é o reflexo perfeito de uns próprios prémios sem credibilidade, uma sombra do que já representaram. Há por aí alguém que ainda valoriza os actuais PBDA? Muito a fazer pela organização. A começar pela revisão do regulamento de forma a tornar os prémios representativos, abrangentes e que valorizem os principais actores: autores e editores. Ponderar o dia e local da entrega dos prémios para o início e no sítio onde acontece a festa da BD. Para quem lê este blogue sabe que isto já não é novo por aqui. A alternativa, que existe, é não fazer nada, deixar tudo como está, e apresentá-los como os prémios mais risíveis da banda desenhada portuguesa! E na falta de categoria de humor, não se perde tudo. Fica a sugestão! 
 
Para terminar este olhar inicial sobre o Amadora BD, até porque ainda há mais festival para acontecer, mais uma nota ou duas sobre (alguns) autores. Gostei muito do regresso do Jorge Miguel. Um autor que aprecio bastante, e cujo reconhecimento por cá lhe faltava. É também para isto que se faz um festival de banda desenhada. E falando em regressos, na conversa que tive com o Osvaldo Medina (outro da minha preferência), disse-me que o facto de não ter publicado nada nos últimos anos, não significa que tenha estado afastado. O resultado está à vista com «Macho-Alfa» o primeiro de quatro volumes. O seguinte já está pronto e o terceiro em produção. Mas o melhor é mesmo o regresso de Kong The King. Sim, o segundo volume vai acontecer! Quanto ao incansável Luís Louro, já se sabe que está a produzir um novo trabalho. Aponto para a magnum opus do autor. No próximo fim-de-semana vai estar à conversa. Vamos ver se temos mais novidades! 

Encontramo-nos no festival!

15 janeiro, 2021

Em estado ambíguo

O ano começou estranho. Inicialmente muita esperança, muitas editoras a revelarem parte dos seus planos editoriais para 2021, muitas e belas novidades anunciadas («Les Indes Fourbes», «Castelo dos Animais», «Spaghett Bros», «Murena», «Alix Senator») e… chega um novo confinamento. Na prática vai implicar tirar um mês às editoras e obrigar a ajustes nos lançamentos. Se o mercado na primeira semana de Janeiro mal mexeu, apenas duas novidades aqui e aqui, na segunda quinzena desconfio que nem abana.

A ASA já suspendeu a publicação das suas novidades previstas para este mês, o que significa que o novo álbum de Michel Vaillant, «Duelos», só para depois do confinamento. Não será a única editora neste caminho. E perante este novo cenário, arrisco-me a dizer que até meados de Fevereiro pouco ou nada vai acontecer. Ou então o “novo normal” passará por lançamentos nas redes sociais e a aposta nas vendas à distância. Depois temos a LEVOIR, ou melhor, não temos, porque desde Setembro que não há noticias. Sendo a editora que mais publicou por cá no ano passado, tenho dúvidas que “no news is good news” se aplique aqui.

E perante tempos tão incertos, o melhor também será não contar com a realização da edição deste ano do Coimbra BD, que abre a época dos festivais de banda desenhada em Portugal, e que provavelmente se realizaria nos inícios de Março. E a malta de Beja (um abraço para o Paulo e para a sua equipa) que deve estar a preparar o seu festival também devem estar a trabalhar na “corda bamba”.

Vou pondo as leituras em dia com a esperança que não há mal que sempre dure! 

11 junho, 2017

Crónica: O XIII Festival de BD de Beja

Esta é a minha crónica sobre a edição 2017 do Festival de Beja. Oficialmente o XIII Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja. Como sempre é um festival que se vive nas suas primeiras 48 horas, ainda que oficialmente só hoje encerre as suas portas. A primeira nota que deixo aqui é recomenda-se fortemente. A 13ª edição do FIBDB veio confirmar o que há muito já se sabia: trata-se de um festival equilibrado na oferta, bem frequentado nos convidados, e movido por uma enorme dinâmica. O responsável é obviamente o Paulo Monteiro e a sua equipa. E mesmo os encontros extra-festival, concretamente almoços e jantares, são excelentes pretextos para magníficas tertúlias bedefilas. Claro que os bons tintos Explicit e Vidigueira ajudaram.

A nova centralidade do festival, desde do ano passado, o Pax Julia Teatro Municipal, é uma mais-valia. Apresenta um espaço bem distribuído, que proporciona boas áreas de exposição e bem iluminadas. Está bem servido por um auditório e o Largo do Museu Regional em frente funciona muito bem como ponto de encontro e convívio. Ainda que desconheça os motivos da troca do anterior espaço, a Casa da Cultura, pessoalmente aplaudo esta escolha. As exposições deste ano, pautaram-se por uma qualidade superior, outra vez. Pessoalmente destaco aqui duas que consumiram largos minutos da minha atenção. A do Jorge Coelho com pranchas absolutamente fantásticas do seu trabalho para a Marvel, a confirmarem talento em demasia; e a bela surpresa que foi a italiana Grazia La Padula, com umas aguarelas que revelam um magnifico trabalho de cor. A Grazia teve mesmo o lançamento do seu livro “Jardim de Inverno” (com a chancela da KingPin), e revelou uma simpatia e grande disponibilidade na (prolongada) sessão de autógrafos que proporcionou. Inconfidência: a KingPin prepara novo livro da autora, o "Les échos invisibles".

As sessões de autógrafos começam a ser um problema (agradável, acrescento). Oficialmente, é uma sessão de hora e meia, mas a elevada qualidade dos autores presentes obriga a fazer opções (não se faz) nas filas, porque o tempo disponível não permite acorrer a todos, mesmo em tempo extra. As minhas escolhas incidiram sobre a dupla Anne-Caroline Pandolfo/Terkel Risbjerg, a imperdível Grazia La Padula, o “Disney” Paolo Mottura, o brasileiro Flávio Luiz, e ainda sobrou tempo para um desconhecido e austero nacionalista romeno de seu nome Valentin Tanase, mas dono de um traço absolutamente fantástico. Deixo aqui um apelo ao Paulo para alargar a sessão de autógrafos para três horas.

E Beja assume-se cada vez mais como uma das principais montras para as nossas editoras, tal a avalanche de lançamentos e apresentações. Se por um lado revela o bom momento em que se encontra banda desenhada em Portugal, bem, o reverso é que não há carteira que aguente. E assim passou-se o encontro anual de Beja, entre amigos e livros. Haverá melhor combinação? Até para o ano!


















13 janeiro, 2017

Antevisão: O Que Podemos Esperar para 2017?

Está fechado o ano de 2016. Ficará registado como um dos mais produtivos dos últimos anos em termos de edição de banda desenhada em Portugal. Não disponho de números oficiais – o editor José de Freitas numa análise que fez, disponível aqui, contabiliza cerca de 225 livros/edições – mas eu fiquei com a sensação que saiu para os habituais pontos de venda (livrarias e bancas) o equivalente a um livro por cada dia útil do ano. Não há muitas dúvidas que houve muita quantidade, muita variedade e acrescento muita qualidade, o que é um excelente sinal de consolidação do nosso mercado, que está vivo e recomenda-se. E agora o que esperar para 2017 por parte das editoras nacionais?

Bem, a fasquia está alta. Tento dar aqui uma ideia do que nos espera. Não havendo o hábito das editoras divulgarem antecipadamente o plano editorial do ano, baseio-me nas informações que já se encontram a circular por aí. Começo seguindo uma ordem alfabética:

Em primeiro temos a ASA. A editora tem no catalogo franco-belga a sua grande aposta. Nos últimos tempos tem centrado a sua atenção tempos em cinco populares séries: Asterix, Lucky Luke, Blake e Mortimer, Michel Vaillant e Águias de Roma. Os quatro últimos títulos citados viram ser publicado um novo álbum em 2016, por conseguinte qualquer novidade nestes títulos será por agora difícil. Também não é expectável a edição de novas séries até porque o foco da ASA passa muito pelas coleções em parceria com o jornal Público, que totalizaram 22 álbuns em 2016. Em 2017, o normal será a ASA fazer publicar uma colecção entre 10 a 12 álbuns (VALERIAN?), a que se soma os 5 álbuns remanescentes da colecção em curso Os Túnicas Azuis. Agora, seria igualmente interessante a edição do Corto Maltese, da dupla Juan Díaz Canales/Rubén Pellejero. É só uma ideia.

Segue-se a DEVIR. Está em falta com o FROM HELL. Tendo falhado este lançamento em 2016, é mais que previsível que (mais) “Alan Moore” seja editado agora em 2017. Entretanto, esta editora de manga por excelência já anunciou mais duas novas séries para o seu catálogo: ONE PUNCH MAN e PLATINUM END (com data prevista para Março). E a manter o mesmo volume de edição de 2016, podemos igualmente contar este ano com cerca de quatro volumes de cada uma das séries manga em curso, mais dois volumes de The Walking Dead e ainda para os mais novos a continuação de Adventure Time. No total, espera-se uma produção a rondar as 30 edições por parte desta editora.

Sigo para a G-FLOY. Responsável pelas séries mais entusiasmantes que se publicaram no ano transacto, já anunciou a vontade de publicar, este ano, um número entre 25 a 30 edições. Para já, e ainda durante este mês, teremos OUTCAST e VELVET (Vol. 2). Depois, e não necessariamente pela ordem apresentada, vem WYTCHES (de Scott Snyder), CAPITÃO AMÉRICA BRANCO (de Loeb e Tim Sale), CAGE (de Brian Azzarello e Richard Corben) e fala-se em MIRACLEMAN de Neil Gaiman. E teremos certamente mais dois volumes de cada uma das entusiasmantes séries da editora: Saga, Tony Chew, Southern Bastards, Harrow County. E claro, a conclusão de Velvet. E para compor o pacote devem-se juntar novidades ainda no segredo dos deuses.

Depois temos a LEVOIR. Foi a editora que mais publicou em 2016. É uma das grandes responsáveis pelas colecções do jornal Público. Se durante 2016 publicaram três colecções num total de 41 volumes, a que se somaram algumas edições soltas, para 2017 não se pode esperar muito mais que isto, até porque como o José de Freitas fez notar na sua análise, não há mais semanas disponíveis com o jornal Público. É certo que uma das colecções será a terceira série de NOVELAS GRÁFICAS num número a rondar os 15 volumes, e depois é esperar que venham mais super-heróis.

Avanço para a PLANETA. No ano passado agarrou a edição do Universo Star Wars para Portugal. Para este início de ano já anunciou dois títulos: Star Wars – ACADEMIA JEDI (ainda durante este mês) e Star Wars – TRILOGIA DO IMPÉRIO NEGRO (para Fevereiro). É previsível que edite um total de 5 a 6 livros este ano. A pensar nos mais novos trará um novo álbum de Gerónimo Stilton (para Março).

Chego à SALVAT. Com cerca mais de metade da sua Colecção Oficial de Graphic Novels Marvel já publicada, podemos esperar para 2017 a edição da quase totalidade do resto da colecção. Faltam 26 volumes dos 60 volumes previstos.

E depois faltam editoras como a ARTE DE AUTOR para a qual há uma expectativa de repetir os números do ano passado com cinco edições; a GOODY, que ultrapassadas as dificuldades, espera-se que continue a encher as bancas de "patinhas" e a POLVO que certamente fará sair mais um TEX para acompanhar a vinda de Andrea Venturi e Massimiliano Leonardo a Portugal


E autores portugueses? Parece que há belos livros para serem lançados este ano.

Na KINGPIN recupera-se o tempo perdido e prepara-se para um bom ano. A Joana "Mosi" Simão encontra-se a trabalhar em O OUTRO LADO DE Z que conta com o argumento de Nuno Duarte. Mário Freitas escreve e Marta Teives desenha O ÚLTIMO POLLOCK. Fernando Dordio, Osvaldo Medina e Inês Falcão Ferreira preparam O ELIXIR DA ETERNA JUVENTUDE. E para este ano há também o novo álbum NOCTURNO do autor da casa Tony Sandoval,

Na POLVO, repete-se a dupla André Oliveira e João Sequeira numa nova banda desenhada, intitulada LUGAR MALDITO.

O Daniel Maia tem finalmente preparada a adaptação para banda desenhada de O INFANTE PORTUGAL EM UNIVERSOS REUNIDOS, que conta com o argumento de José de Matos-Cruz.

O Nuno Saraiva encontra-se a dar os traços finais no seu novo livro FADO DE MALHOA, O PINTOR FINO DA MOURARIA. Mais uma edição Egeac / Museu do Fado.

E a dupla Filipe Melo / Juan Cavia não descansam à sombra do sucesso de Os Vampiros, e já meteram de novo "mãos à obra", encontrado-se a trabalhar numa nova história, do qual foram revelados alguns desenhos nas redes sociais com a hashtag #Sleepwalk. Expectativas altas, mais uma vez!

Em resumo, em 2017 irá manter-se um bom ritmo de edição de banda desenhada. Não acredito que ultrapasse os números de 2016, mas andará certamente na casa das duas centenas. Em termos de grandes obras, será difícil "bater" o "Ano Alan Moore", mas pode ser que seja o "Ano Neil Gaiman". Muita produção de autores nacionais o que deixa antever Beja e Amadora com óptimas novidades. Que venham os livros!