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07 janeiro, 2025

O Estado da Arte em 2024

 

Análise do Mercado Editorial Nacional de BD em 2024

Introdução 

O mercado nacional de banda desenhada (BD), desde sempre considerado de nicho, tem apresentado, nos últimos anos, taxas de crescimento bastante significativas, quer pela crescente popularidade de manga entre os novos leitores, quer pela proliferação de romances gráficos que abrangem desde clássicos internacionais até criações originais de autores nacionais. Tal envolvido um número crescente de editoras, que veem na BD um interessante segmento capaz de diversificar a oferta do seu catálogo e atrair novos públicos. A BD continua assim a conquistar um espaço significativo na cultura literária.

O presente contributo pretende dar uma visão do mercado editorial nacional em 2024, destacando as maiores editoras, os géneros mais populares, observando a evolução dos números e as principais tendências do mercado. É importante ressalvar desde já ressalvar que uma análise mais precisa exigiria dados específicos, mas não existe, ou não está disponível, informação compilada e consistente acerca das tiragens, das vendas e consequente quotas de mercado das nossas editoras. Esperamos pelo dia que estes números sejam conhecidos no nosso país.

Por conseguinte, a análise far-se-á com recurso a informação complementar que foi possível recolher e tratar, conseguindo-se assim o suficiente para aferir sobre o Estado da Arte em Portugal.

Centrando-se esta análise no mercado editorial português, e tendo como foco a edição de BD em Portugal por parte de editoras nacionais, as publicações independentes de autores e as revistas amadoras distribuídas em mercados alternativos (fanzines) não foram aqui consideradas por serem de difícil inventariação, bem como as simples reimpressões, as edições estrangeiras ou em língua estrangeira ainda que com distribuição em Portugal. Ficaram igualmente de fora desta análise, todas as publicações relacionadas com a banda desenhada, e aqui inclui-se estudos, ensaios, entrevistas, enciclopédias, etc.

Fazendo um enquadramento, o segmento da BD faz parte de um mercado livreiro maior, que em Portugal, a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), relativamente a 2023, avaliava em 187 milhões de euros. A BD será responsável por uma parcela modesta deste montante. Em mercados europeus estima-se que as vendas se situem entre 5% a 10% do total do mercado editorial, dependendo do país e da popularidade da BD. Em Portugal, atendendo à reduzida dimensão do nosso mercado, será seguro dizer que uma percentagem conservadora apontará para um valor não superior a 5%. 

Visão geral do mercado português de BD em 2024

Em 2024, o mercado editorial nacional de banda desenhada consolidou-se como um segmento dinâmico e diversificado, refletindo o crescente interesse por esta arte em Portugal. Na verdade, atravessamos um novo período dourado, e isso encontra-se reflectido nos números aqui apresentados, de nº de editoras/chancelas, de novos lançamentos e de procura por informação relacionada. Este bom momento também se estende à BD portuguesa, que apresentou níveis de produção como não se via há alguns anos.

Os Lançamentos

Em 2024, foi registado o melhor resultado de sempre em termos de nº de novos lançamentos de livros de BD, no formato físico, em Portugal. Foram contabilizadas 384 novidades, na contagem pelo ISBN (a listagem completa está disponível AQUI), o que se traduz numa taxa de crescimento de 9% face a 2023, período no qual já se tinha verificado um excelente resultado. Observa-se que se trata do terceiro ano consecutivo de crescimento da oferta de banda desenhada no nosso mercado. 

Numa tentativa de segmentação, pode-se dizer que por origem, o peso da banda desenhada estrangeira continua dominante no mercado português. Mantêm-se a influência do mercado francófono, mas acompanhado agora pelo mercado asiático, que tem revelado crescentes taxas de crescimento.

Assim, com uma taxa de 43% o mercado europeu de banda desenhada mantém-se assim como o principal fornecedor de histórias para as nossas editoras. A este valor soma-se ainda 16% referentes à edição de obras portuguesas, que teve em 2024 um dos seus melhores anos, com um total de 60 novos lançamentos. Depois da queda verificada no ano passado, temos agora a recuperação. Contam-se mais de duas dezenas de editoras nacionais a apostar na BD portuguesa, e este ano com destaque para a Levoir com a sua colecção Clássicos da Literatura Portuguesa em Banda Desenhada. Sem surpresas, na segunda posição, encontramos o mercado asiático, o qual já é responsável por 28% da oferta. Incluem-se aqui as histórias oriundas do Japão, China, Coreia. Em queda livre, está o mercado norte-americano que garante apenas 10% da oferta. O fim da colecção Clássica Marvel da Atlântico Press e a desistência da Levoir do selo editorial da DC Comics são a causa responsável. 

No ano de 2024, destaca-se a consolidação de algumas tendências no mercado de BD nacional.

Entre elas, observa-se a enorme popularização do mangá, o que levou sete das dez maiores chancelas editoriais a apostarem neste género. Outra tendência relevante foi o aumento na edição de adaptações literárias, especialmente em formato de novela gráfica. 

Paralelamente, verificou-se um número significativo das reedições (9%) e aqui considera-se mais do que uma simples reimpressão, ou seja, uma alteração substancial da obra que tenha originado a atribuição de um novo ISBN.

Adicionalmente, houve um forte incremento na publicação de banda desenhada destinada ao público infanto-juvenil. Um segmento em franco crescimento, que representou cerca de 14% da oferta total do ano, com os grupos Porto Editora e Penguin Livros a serem responsáveis por mais de 50% das novidades lançadas no período.

Relativamente à ordenação de cada título existe uma grande dificuldade de enquadramento devido sobretudo à inexistência de um sistema comummente aceite e à enorme variedade de géneros que se podem encontrar, dependendo então a sua classificação de diferentes critérios e abordagens. Não obstante, verifica-se que as obras de acção/aventura continuam no topo de preferências, seguido das temáticas históricas e das biografias gráficas. Em queda livre encontram-se os westerns e as aventuras de super-heróis.

Em termos de distribuição, a disponibilização dos títulos ao longo do ano apresentou extremos históricos. Embora a média mensal tenha sido de aproximadamente 32 novidades, a sua distribuição revelou-se irregular, oscilando entre um mínimo de 4 lançamentos em Dezembro e um pico de 72 novos títulos em Outubro, tradicionalmente o mês mais forte no nosso mercado editorial. De realçar que o último quadrimestre concentrou mesmo assim o maior volume de lançamentos, reforçando a tendência de intensificação das novidades editoriais nesse período do ano. 

 


Em 2024, o cabaz completo, composto por todos as novidades de BD editadas em Portugal, apresentou um custo total de € 6.627,52, com o preço médio de um livro de BD a fixar-se em € 17,26. Em termos de preço de capa, a edição mais barata que encontramos foi a reedição de A Loja da editora Polvo por € 8,90. No extremo oposto, como a mais cara, tivemos a edição integral de BRZRKR da editora G.Floy, com o preço de € 50,00. Assinala-se que o valor de venda mais praticado foi de € 9,99, correspondente ao preço de referência praticado pela editora Devir nas suas edições de manga.


As Editoras

Em termos de editoras (ou chancelas) de BD activas em Portugal tivemos um novo máximo, que passou as cinco dezenas, totalizando as 53. Contabilizam-se aqui todas aquelas que tenham pelo menos editado, em 2024, uma obra de banda desenhada, com ISBN atribuído. Observa-se que é um número que tem vindo a crescer paulatinamente desde 2020. 

Conforme referido inicialmente não existe informação disponível acerca dos valores de vendas e de tiragens, pelo que aqui a  “quota de mercado” das editoras será definida em função do número de novos lançamentos de cada uma face ao total do mercado.

No topo das editoras nacionais encontramos (de novo) a DEVIR. Se em 2023 já tinha alcançado excelentes números, em 2024 bateu todas as marcas. Em número de novidades, foram contabilizados 64 novos lançamentos, correspondente a 17% da oferta nacional de banda desenhada. É a principal responsável pela enorme oferta de manga que temos actualmente, o que lhe confere pelo quarto ano consecutivo o título da editora mais activa do mercado. E promete não ficar por aqui, porque para 2025 já anunciou o estender o seu catálogo ao franco-belga e a aquisição dos direitos de publicação da americana DC Comics

A segunda posição vai para a ASA. Com 54 lançamentos assume uma quota de 14%. A editora tem estado bastante dinâmica desde a sua reestruturação, e apostou na abertura do seu catálogo de BD a novos leitores, apostando em várias frentes, desde títulos de origem franco-belga, ao pisca de olho ao público adolescente com as colecções de manfras e à edição títulos dedicados a um público infantil. O resultado é um crescimento da sua oferta em 35% face ao registado no ano anterior. 

No terceiro lugar deste pódio está a LEVOIR. Registou um excelente ano com 42 lançamentos o que lhe confere uma quota de 11%. Destaca-se a sua aposta em coleções, com o lançamento da oitava série de novelas gráficas em parceria com o jornal Público e uma colecção dedicada à adaptação de clássicos da literatura portuguesa para BD, com a assinatura de autores nacionais. A aposta falhada nos títulos da DC Comics é agora compensada com um virar de página a oriente. O novo ano deve trazer novidades sobre esta matéria. 

A análise dos dados confirma a manutenção de um mercado concorrencial, com as dez principais chancelas a concentrarem em si cerca de 71% da oferta nacional, um percentual em linha com o observado no ano anterior.

De realçar que entre estas, apenas quatro se encontram exclusivamente dedicadas à edição de banda desenhada. As demais podem-se considerar com um perfil mais generalista, integradas em grupos editoriais, onde a BD é editada em conjunto com outras categorias de livros. Adicionalmente, a restante oferta encontra-se distribuída por um grande número de pequenas e médias editoras/chancelas, cujo catálogo de banda desenhada é reduzido.

Gostava de chamar aqui a atenção para o caso especial que constitui a Penguin Livros, a sucursal portuguesa do grupo internacional Penguin Random House. 

Apresenta um total de 24 chancelas editoriais, cada uma direcionada para um género em particular ou um determinado público-alvo. No entanto observa-se que oito delas (a saber, a Iguana, Distrito Manga, Booksmile, Nuvem de Letras, Cavalo de Ferro, Elsinore, Fábula e Objectiva) editaram, pelo menos, uma obra de banda desenhada em 2024. 

Na listagem acima das maiores editoras, encontramos a Distrito Manga num 7º lugar com um total de 15 lançamentos, que faz desta chancela o principal selo da Penguin na edição de BD em Portugal. Mas considerássemos o total do grupo, verificávamos que o seu somatório totaliza 42 edições de BD, um resultado que conferia à Penguin Livros um 4º lugar na classificação das maiores editoras, com uma oferta de 11%. 

 

Os eventos e festivais de BD

Os apoios públicos, em especial das câmaras municipais, têm-se revelado como pilares fundamentais na organização de eventos que promovem a 9ª arte e estimulam a criação de novos públicos. Como resultado, o panorama nacional de festivais de banda desenhada apresenta-se cada vez mais diversificado, com uma oferta geograficamente complementar que fortalece a presença da BD em vários pontos do país.

Em 2024, realizaram-se dois eventos no norte do país (a 10ª edição da Comic Con e o 2º Maia BD), um no centro (o 8º Coimbra BD), um no Alentejo (18ª edição do Festival Internacional de BD de Beja) e os restantes a sul (a 2ª edição do LouriBD na Lourinhã, a 5ª edição do IlustraBD no Barreiro e o 35º Amadora BD). Apesar de não dispor dos números oficiais de visitantes de cada evento, quer-se querer que tenham tido uma boa participação de acordo com as expectativas de cada organização, até porque os apoios mantiveram-se e começaram a ser reveladas as datas das edições de 2025.

Os Canais de Distribuição

O recente estudo da empresa da GfK para a APEL sobre Hábitos de Compra e Leitura de Livros revelou a preferência pelas lojas físicas, em particular as livrarias, como o principal ponto de venda de livros em Portugal. 

No segmento da BD, esta dependência das livrarias físicas torna-se ainda mais evidente quando se observa o quase desaparecimento da presença de banda desenhada noutros canais, nomeadamente as bancas de jornais. Este canal de distribuição restringe-se agora às coleções distribuídas em parceria com jornais. Em 2024, destacaram-se duas colaborações com o jornal Público: a oitava série de Novelas Gráficas da editora Levoir, publicada entre Julho e Novembro, e a coleção Tanguy & Laverdure da editora ASA, disponível entre Agosto e Outubro.

Observa-se, no entanto, novas estratégias de adaptação ao mercado, procurando as editoras novos meios de alcançar um público leitor de banda desenhada, e aqui destacaria uma aposta nas chamadas vendas diretas. Apesar de não se dispor de números de vendas, facilmente se percebe que canais editor-leitor apresentam a enorme vantagem económica de eliminação dos custos de intermediação. 

Assim, a aposta passa por canais próprios. Através das lojas online existentes nos sítios da internet da grande maioria das editoras, mas sobretudo pela presença destas nos principais festivais nacionais de BD. E daí observar-se cada vez mais o coincidir de novos lançamentos com a realização destes eventos, e o melhor exemplo disso é dado pelo festival Amadora BD, que se realiza na segunda quinzena de Outubro, que faz concentrar sempre neste mês o maior número de novidades do ano. 

Os Canais de Divulgação

Em Portugal, os principais canais de divulgação a um público vasto passam essencialmente por blogues e fóruns dedicados na plataforma Facebook. Em 2024, se na blogosfera nacional o número de canais divulgadores não sofreu grande variação, rondando a meia dezena de blogues dedicados, em termos de visitantes a coisa muda de figura.

Tomo aqui o exemplo do blogue NOTAS BEDÉFILASporque disponho dos números – que recebeu ao longo de 2024, mais de 250.000 visitantes (mais concretamente 253.248), uma média superior a 20.000 visitas mensais, o que constitui taxa de crescimento de 15% relativamente a 2023. E esta procura de informação verifica-se igualmente no fórum BANDA DESENHADA PORTUGAL, que passou dos poucos mais de 6.000 membros em finais de 2023 para os quase 9.400 membros em finais de 2024. Uma taxa de adesão superior a 50%. Não se pode dissociar este crescente interesse na procura de informação relacionada com o excelente momento que a BD atravessa em Portugal, e que se observa em todas suas várias vertentes.

 
ESTATÍSTICAS DO GRUPO BANDA DESENHADA PORTUGAL EM 2024


 

O Dia Nacional da BD Portuguesa

O ano de 2024 ficará marcado pela oficialização do dia 18 de outubro como o Dia Nacional da Banda Desenhada Portuguesa. A proposta apresentada pelo partido parlamentar Livre e aprovada pela Assembleia da República, não está associada a qualquer efeméride significativa relacionada com a banda desenhada, resultando sim de um processo unilateral, sem consulta ou discussão prévia com a comunidade bedéfila. Embora a iniciativa merecesse maior cuidado e envolvimento, este dia, ainda que imperfeito, passa a integrar o calendário cultural nacional.

Conclusão

A avaliar por 2024, a banda desenhada em Portugal atravessa um momento notável de vitalidade e crescimento. O nosso mercado editorial tem demonstrado resiliência e capacidade de adaptação, com uma oferta cada vez mais diversificada que atende a um público amplo e variado. Os números extraordinários deste ano, em todas as suas vertentes, revelam que a oferta tem conseguido atrair novos leitores, e fomentar um interesse renovado, impulsionando assim o aumento de chancelas editoriais e consequentemente o número de novos lançamentos. Embora não sejam conhecidos dados concretos de vendas, a aposta continuada das nossas editoras é sempre um bom indicador que o mercado está bem, é promissor e que se recomenda.

Para 2025, o cenário é de certa forma imprevisível. O volume de edições cresceu significativamente nos últimos três anos (+23%), e os números de 2024 devem marcar o limite que o nosso mercado comporta. Estabilizar talvez seja necessário ou aposta passar agora por mais qualidade e menos quantidade. Daqui a um ano nova avaliação. Até lá, que não nos faltem boas leituras! 

 

18 outubro, 2023

A BD senta-se à mesa das Belas Artes!

 
Parece que hoje é um dia histórico para a BD! A partir de hoje, em pleno século XXI, a Banda Desenhada passou a ser considerada em Portugal como… “uma forma superior de expressão da cultura
 
O que é isso? É um reconhecimento com o excelso carimbo da Academia Nacional de Belas-Artes (quem?). Procurei saber que outras belas artes partilham dessa dita superioridade, mas parece que a informação não está disponível. A tribo bedéfila exulta-se por essas redes sociais fora pela consideração. Eu, sinceramente, confesso não partilhar desse entusiasmo. E confesso também não o perceber.
 
Recordo que por cá a Banda Desenhada tem raízes profundas que remontam ao final do século XIX. Em 1872, Bordallo fez publicar os Apontamentos de Raphael Bordallo Pinheiro sobre a Picaresca Viagem do Imperador de Rasilb pela Europa, o primeiro livro de banda desenhada editado em Portugal. Portanto, já lá vão mais de 140 anos desta arte de contar histórias sob a forma de narrativa gráfica!
 
E desde então até aos dias de hoje, o caminho não foi fácil, com os seus altos e baixos, é certo, mas feito sempre sozinho, lutando contra estigmas de infantilidade, censuras, restrições e rótulos de sub-cultura antipedagógica, e desempenhando sempre um importante papel na cultura popular e na literatura ao longo de décadas. E eis-nos chegados a 2023, com um mercado de edição pujante, com uma oferta literalmente diversificada para todos os públicos, com festivais dedicados a norte e sul do país, com autores reconhecidos no estrangeiro e obras portuguesas publicadas em vários países. 
 
E chega agora o reconhecimento. Precisamos dele? Claro que não, soa a ridículo!
 
Mais ridículo, quando vemos que juntamente com a Banda Desenhada, surgem também o Cinema e a Dança, pasme-se, outras manifestações de culturas menores que só a partir de hoje se podem sentar à mesa das Belas Artes. 
 
Sinceramente, faz-se mais pela Banda Desenhada em Portugal, quando um livro de bd entra para o Plano Nacional de Leitura, quando se atribui uma bolsa para uma residência artística ou quando uma Câmara Municipal financia a realização de um festival, do que estas “insígnias ao peito”! 
 

21 dezembro, 2022

Uma Selecção para o Natal!

Na semana do Natal, o exercício é deixar aqui 12 sugestões de livros de Banda Desenhada para oferecer! A escolha é entre as mais de 280 obras que foram lançadas este ano em Portugal. Como em qualquer escolha sou movido por um gosto pessoal, mas a ideia é mesmo escolher the crème de la crème, tendo em atenção o destinatário da oferta, a qualidade da obra, na história, no desenho, na edição.
 
Existe na linguagem económica, uma feliz expressão se traduz num importante indicador, que sintetiza toda uma ideia: Value for Money (VfM). Ora, estabelecendo aqui uma relação custo-benefício na compra de um livro, sendo o custo o preço que pagamos pela obra, e o benefício a qualidade da obra e prazer que se retira da sua leitura, são estas minhas escolhas VfM para este Natal (a ordem de apresentação é arbitrária):
 
  • Flora e Bambu (Lilliput)

Já aqui tenho falado do bom trabalho que o grupo do Pinguim tem feito na edição de banda desenhada destinada aos mais novos (+6 anos), e como estes também merecem as suas novelas gráficas, parece-me importante incluir nas sugestões a colecção Flora e Bambu. As histórias de amizade, aventura e descobertas destas duas personagens pareceram-me as mais bem conseguidas, pelo seu registo bastante engraçado, de desenho cativante e linguagem simples. O ideal para as primeiras leituras e uma bonita porta de entrada para o mundo da BD.

  • One Piece, vol. 1 - A Alvorada da Aventura (Devir)

O mangá tomou de assalto as prateleiras de banda desenhada das livrarias nacionais, e quem melhor para liderar esse assalto senão aquele que aspira ser o Rei dos Piratas. A fama do mangá mais vendido em todo o mundo diz praticamente tudo sobre esta colecção. Este é o primeiro livro em português e apresenta-se num inédito volume triplo. Pela sua popularidade é, sem dúvida, a edição do ano da editora, e uma boa opção de compra.

  • Spirou - Diário de um Ingénuo (ASA)
E que tal um Spirou servido em moldes completamente diferentes? O autor Emile Brávo surpreende-nos aqui totalmente com um equilibro bem conseguido entre o respeito pelo espírito original da personagem e sua atualização para os nossos tempos, num cenário pré-Segunda Grande Guerra, e com um registo gráfico que presta uma bela homenagem ao clássico franco-belga. Obrigatório. Um dos álbuns do ano.
 
 


  • A Adopção (Ala dos Livros)

O argumentista Zidrou abre-nos de novo as páginas para mais uma dose de compaixão. No bonito registo gráfico de Arno Monin, não ficamos indiferentes ao crescimento de um amor que vai sendo construído pela companhia e cumplicidade à medida que se desenrola a história de uma adopção, mas que não resiste à crueldade de uma realidade. Preparem-se para uma explosão de sentimentos numa edição integral e cuidada. Magnifico. 

  • Undertaker - vol. 3: O Monstro de Sutter Camp (Ala dos Livros)

Se a saga de um cangalheiro itinerante pelas terras de oeste pós-guerra civil americana já é de leitura recomendada, as histórias de vingança trazida nesta primeira parte do díptico elevam a fasquia da série. Uma nova personagem que emerge do passado dá um outra dimensão à palavra vilão. Os desenvolvimentos são rápidos e a leitura é ávida, e ao leitor vai sendo servida pausadamente, e em doses generosas aspectos da terrível e hipnotizante personalidade desta personagem que dá o título a este terceiro álbum. Trata-se do melhor western que foi por cá publicado este ano. E quem lê este primeiro álbum vai rapidamente querer ler o segundo.

  • A Vingança do Conde Skarbek (Arte de Autor)
Uma clássica história de crime e castigo com a acção a decorrer nos meios artísticos parisienses, em meados do século XIX, ilustrada num registo gráfico sumptuoso quase impressionista pelo fabuloso Grzegorz Rosinski. Só por esta combinação já vale a compra. O argumento assinado por Yves Sente é cativante e manipulador. Brinca com leitor com as sucessivas reviravoltas na história, onde ninguém é quem parecer ser. Já vos falei do desenho? O álbum apresenta-se numa belíssima edição integral. Outra das minhas escolhas para os álbuns do ano! 
 
  
  • Monstros (G.Floy)

Literalmente e em todos os sentidos é um livro monstruoso estas mais de 350 páginas de Barry Windsor-Smith, onde o preto e branco do seu traço intenso confere uma atmosfera ainda mais dramática a toda a história já por si complexa e angustiante. O plural do título não é inocente, porque nos traz a loucura da guerra dos Homens e as suas vítimas, e os culpados nos seus diferentes contextos e relações. A carga emocional é violenta, onde ninguém sai ileso, incluído o próprio leitor. Uma bela edição que enriquece qualquer bedeteca.

  • Dante (Ala dos Livros)

Mais um ano mais um álbum, bem pode ser o mote de Luís Louro, que se confirma cada vez mais como o autor português de banda desenhada mais prolífico do panorama actual. Neste álbum, sai da sua zona de conforto de Lisboa, e aventura-se numa amalgama de temas que lhe são queridos, como os Messerschmidt’s e o seu chamado Louroverso, um universo povoado por fadas e goblins e salpicado pelas inúmeras referências. Passada durante a Segunda Grande Guerra, temos uma história de fantasia cheia de simbolismo, da luta do bem contra o mal, de leitura complexa onde o autor cria camadas de leituras deixando o leitor ir estabelecendo os seus paralelismos. Tudo isto é servido numa irrepreensível numa belíssima composição gráfica cheia de dinâmica e cor à qual o Louro já nos habituou. Mais uma bela edição feita com amor da editora.

  • Noir Burlesque (A Seita/Arte de Autor)
Nesta recomendação impõe-se uma declaração de interesses: Enrico Marini, é para mim, dos melhores desenhadores da actualidade. Autor completo, multifacetado, o seu traço elegante e realista enche qualquer página, captando na perfeição qualquer ambiente. Só pelo desenho já valia a pena a compra deste álbum. Mas Marini, faz mais, acrescenta uma história, e transporta-nos para os anos 50 numa homenagem ao cinema americano, assumindo, sem complexos, os clichés clássicos do policial noir, como a figura do gangster, da mulher fatal, o triângulo amoroso. História servida num preto e branco, onde o vermelho realça a sensualidade e a fatalidade. Obrigatório.

 

 

  • Rugas (Levoir)
Este livro não é uma novidade porque se trata de uma reedição, mas daquelas que se justifica plenamente ou não estivesse a obra esgotada. Em Rugas, do autor espanhol Paco Roca, conhecemos Emílio, bancário reformado, portador da doença de doença de Alzheimer e esquecido pelo filho num lar de idosos. Está dado o mote para uma história com uma dimensão humana como poucas histórias em banda desenhada conseguem alcançar. Ainda que o tema principal da história seja a doença de Alzheimer, Paco Roca estabelece um fio condutor que toca a doença, a velhice e a amizade, numa abordagem realista com uma linguagem simples. Rugas é assim uma obra que olha com respeito para o principio do fim, traduzindo-se num bonito e critico ensaio sobre a velhice, o qual dá gosto ler e emocionar. Não há como não gostar. Das melhores obras de Paco Roca.
 
  • Blacksad - Algures entre as sombras
E porque estamos numa de reedições, não posso deixar de sugerir mais esta que saiu este ano. Para quem ainda não conhece Blacksad da fantástica dupla Díaz Canales e Juanjo Guarnido, tem aqui, neste primeiro volume da série, mais uma excelente oportunidade para entrar neste universo noir povoado por personagens antropomórficos, cujas características e comportamentos servem na perfeição a personalidade que representam. John Blacksad, é um gato, um detective privado implacável e incorruptível. As histórias narram as aventuras de um herói solitário numa América de poderosos nos anos 50, navegando entre temáticas como o homicídio, o racismo, a corrupção.  A qualidade gráfica é irrepreensível.  Este primeiro volume apresenta-se numa edição requintada enriquecida com um maravilhoso caderno de extras apresentado pelo desenhador Guarnido. Obrigatório.
 
  • Little Tulip (Ala dos Livros)
Neste álbum regressamos ao mundo de Charyn e Boucq. Histórias onde a qualidade do argumento rivaliza com a qualidade do desenho. Começamos por acompanhar Paul, um tatuador que colabora com a polícia de Nova Iorque na identificação de assassino em série, e em flash-backs do seu passado vamos conhecendo a história da sua difícil infância como Pavel, e como o dom para o desenho lhe permitiu sobreviver no inferno do um gulag. Charyn traz-nos aqui duas histórias paralelas, de um submundo de NY misterioso cheio de lugares escuros e perigosos, e do violento mundo dos gulags soviéticos, com uma auréola de fascínio pela subcultura das tatuagens como condição de afirmação, às quais o traço graficamente realista de Boucq transforma em narrativas intensas. A edição é magnifica. Little Tulip é uma das leituras do ano!
 


24 outubro, 2022

Fim-de-semana de Amadora BD

Findo o primeiro fim de semana da AMADORA BD e já dá para fazer uma pequena crónica do que por lá aconteceu. O sábado começou com a loucura instalada para as sessões de autógrafos. Trinta e três anos depois e a (de)organização resolve instituir o sistema de fila única!!! Percebia-se logo o absurdo da medida, e o único resultado previsível foi um pleno entre leitores, autores nacionais e editores… tudo insatisfeito! Os primeiros porque guardaram durante horas a sua posição na fila para os autores estrangeiros, os segundos porque estavam sem livros para autografar e os terceiros porque ficaram sem clientes nos stands comerciais. Foram feitos diversos alertas, e a coisa podia ter ficado logo ali resolvida em dez minutos, mas a coragem da decisão não se mostrou e o “não podemos” e o “não temos autorização” dos voluntários vingou! Não posso deixar de reconhecer o esforço destes em tentar minimizar o disparate de quem decide!
 
Aproveito e deixo um abraço solidário para o Luís Louro, a quem pela primeira vez o vi de braços cruzados numa sessão de autógrafos, e que depois o obrigou a horas extraordinárias para recuperar os autógrafos pe(r)didos; e outro abraço para o Dário (aka Derradé) que foi chutado para uma mesa de canto e que encontrava literalmente tapada pela fila para autor americano Bob Mcleod. E todos aqueles que beberam um café quente naquela tarde fria de Sábado ao Dário o devem, porque a tomada elétrica da máquina estava mesmo ao seu lado, e sabemos bem que sem eletricidade não há café. Agora imaginem o que seria controlar todos aqueles portugueses em fúria que não conseguiram um desenho do Loisel, do Tripp, do Mcleod e ainda por cima nem um cafezinho de borla podiam beber? Respeito!

E continuando com as originalidades na tarde de Sábado, o que dizer da arte de bem carimbar que foi excepcionalmente bem executada pelo Tripp ao longo de toda a sessão? E para quem pensa que isto de colocar um carimbo é fácil, o autor com todo o seu vigor carimb… desculpem, demonstrou bem o contrário a todos aqueles que durante largas horas esperaram por um pequeno dsenho. Respeito! Quanto ao desenhador Loisel deu uma de escritor e foi para um festival de banda desenhada assinar o seu nome. Digo-vos era pôr-lhe um carimbo no passaporte e recambiá-lo para o Quebeque!

 
Com todas estas emoções e as horas a passar nem dei pelos lançamentos e apresentações que decorriam na outra ponta do espaço.
 
No Domingo, a fila na tenda começava logo na entrada. A fila para as senhas dos autógrafos! Dizem que a noite é boa conselheira e confirma-se. Sem surpresa, e não sendo o ideal, o sistema funcionou relativamente bem, pelo menos em comparação. Repetiram-se os carimbos do outro, pelo que destacaria aqui, sem dúvida, a grande disponibilidade, simpatia e DESENHOS do francês Fred Vignaux (na qualidade de autor do Thorgal) e do americano Bob Mcleod (na qualidade de autor do Homem-Aranha).
 
 
Ontem também foi dia de se conhecer, no próprio recinto do festival (o que faz todo o sentido), os vencedores dos agora Prémios de Banda Desenhada da Amadora. Já se sabe que este ano as nomeações foram anedóticas, que pouco ou nada prestigiaram o festival. Estiveram longe de reconhecer o que melhor se editou durante o ano, e assim sendo não há outra forma de o dizer, um júri incompetente que conseguiu nomear e premiar reedições, e até deixar de fora obras originais e justamente reconhecidas pelo público.

Quanto a vencedores, destaco as vitórias do interessante Estes Dias (edição POLVO) de Bernardo Majer - autor sobre o qual já convidava os leitores a descobrir o “seu mundo” no texto de apresentação que escrevi para a revista Splaft! do festival de Beja - na categoria de Melhor Obra de Banda Desenhada de Autor Português e do visceral álbum O Relatório de Brodeck (edição ALA DOS LIVROS) de Manu Larcenet, uma das grandes edições de 2021, na categoria de Melhor Obra Estrangeira de BD Editada em Portugal.

Nas restantes categorias, tivemos naquela estranha geringonça de Melhor Edição Portuguesa de BD, a vitória da reedição do livro Tu És a Mulher da Minha Vida, Ela a Mulher dos Meus Sonhos (edição A SEITA), de Pedro Brito e João Fazenda; no prémio Revelação, O Crocodilo, ou o Extraordinário Acontecimento Irrelevante (edição da LOBOMAU) de Francisco Valle e Rui Neto; e para o prémio de Melhor Fanzine ou Publicação Independente foi atribuído a Ditirambos: Fauna, que reúne um colectivo de autores nacionais. Fica o registo!

Quanto as exposições, já tinha dito que valem muito uma visita. Não estão todas ao mesmo nível, mas estão bem conseguidas. Para quem conhece as obras é um prazer redescobrir agora em originais; para quem é o primeiro contacto acredito que haja um deslumbre. Pessoalmente, porque tudo é manifestamente uma questão de sentido critico e de gosto, destaco as dedicadas aos Mundos de Thorgal e ao Armazém Central. E gostava que tivesse sido mais desenvolvida e impactante a celebração dos 60 anos do aracnídeo.
 
 
Para o próximo fim-de-semana, não se esperam grandes surpresas, e será praticamente e quase literalmente dedicado aos Portugueses. Vale a visita!