No ano da
morte do Papa…
Há
efemérides que deveriam ser comemoradas com pompa e circunstância e não o são.
Vejam o caso de Luís Vaz de Camões, cujo 500.º aniversário se comemorou o ano
passado. É certo que se fez alguma coisa, mas, quanto a mim, não o suficiente.
Curiosamente,
2024 foi também o ano de outro aniversário especial, o do Corvo. Esse herói da
Grande Alface, maior que a vida, celebrou os 30 anos de existência. Trinta anos
desde que foi criado pela mente imparável de Luís Louro.
Ora, é
Luís Louro que comemora em 2025 os seus 40 anos de carreira. As comemorações
serão muitas e a vários níveis. Mas aquela que mais justifica a sua carreira é,
precisamente, a nova obra.
Não é
gratuitamente que afirmo que Luís Louro tem uma mente imparável. O homem parece
que só está bem a escrever e a desenhar. Só está bem quando desenvolve um novo
projecto.
Mas
alguém que não pára e produz de forma quase alucinada, corre o risco de não ter
tempo para evoluir. Cristalizar a sua caneta e a sua pena é o perigo!
Mas
sosseguem os que o admiram e chorem os que dele desgostam. Ainda não é desta
que Luís Louro surpreende pela negativa.
Os Filhos de Baba Yaga, pois é esse o título da sua nova obra, não vê a
acção nas selvas de Jim del Monaco,
na Lisboa submersa de Alice, na
“Grande Alface” do Corvo ou nos
bosques encantados de Dante. Agora o
assunto é sério (como se os outros não fossem)!
Estamos
em plena Segunda Guerra Mundial. Hitler acaba de quebrar o Pacto
Molotov-Ribbentrop, mais conhecido por Pacto Germano-Soviético, e ordena a
invasão da União Soviética. É a famigerada Operação Barbarossa, iniciada em
Junho de 1941, e o ponto de viragem do ímpeto germânico. O ataque brutal a
Kiev, o cerco desumano de Leninegrado, a invasão completa da Ucrânia, da
Bielorrússia e dos Países Bálticos não dá, ainda assim, a vitória às Forças do
Eixo. As baixas de ambos os lados são astronómicas. Do lado alemão, mais de 200
mil mortos e 655 mil feridos; do lado soviético, mais de 800 mil mortos, 3
milhões de feridos e mais de 3 milhões de capturados que acabariam mortos. Os
bosques, as infindáveis planícies de cereais, as cidades, o campo, tudo está
devastado. Grassa a fome e a doença.
E é
neste preciso momento que vamos encontrar o grupo de protagonistas de Os Filhos de Baba Yaga, a novela gráfica
de Luís Louro que acaba de ser publicada numa parceria A Seita/Arte de Autor,
na chancela exclusiva do autor Folha de
Louro. Uma edição de luxo, com prefácio de David Soares, um caderno de 14
páginas de extras, com as capas das duas edições, uma entrevista ao autor
realizada por João Miguel Lameiras e, para delírio dos fãs, inúmeros esboços,
estudos de personagens e um making of.
Além disso, para os mais afortunados, a edição feita para a Wook, para além de ter uma capa
diferente, tem também um ex-libris autografado pelo autor, o mesmo acontecendo
com os primeiros exemplares vendidos online pelas editoras.
Tudo
falado e circunstanciado…
Vamos à
história!
A águia
poisada no galho da árvore olha em redor, majestática. Abaixo dela, uma campa
improvisada assinala a morte de um soldado desconhecido da Wehrmacht. O pássaro
imponente levanta voo e sobrevoa os campos de cereais feridos, aqui e ali, por
quedas de obuses e ataques a carros de combate. Uma lebre é perseguida pela
águia e esta, num voo picado, não deixa escapar a presa. Não fossem os despojos
de guerra, o Outono pareceria correr o seu rumo natural, meigo e acolhedor.
Pelo menos, para as águias.
O Panzer IV fora abandonado pela sua tripulação. Faltou-lhe o combustível. Esse era um
dos muitos problemas enfrentados em solo soviético pelas tropas alemãs.
Agora é
ocupado pelo grupo de crianças órfãs que o utilizam para as suas brincadeiras
inocentes, mesmo que estas sejam brincar às guerras. Vassili, o que tem o
estômago mais fraco, solta um gás. Afinal, o grupo anda a comer erva há vários
dias. Para os miúdos, é como se tivessem lançado uma granada dentro do carro de
combate. É vê-los a fugir por cada escotilha, para bem longe do cheiro
nauseabundo.
O grupo
é composto por dez membros. O Vassili, a Tatiana (a mais pequena), Nikita e
Alexei (os gémeos), Vadim (o fumador), o Yevgeny (sempre com a sua máscara de
gás), o Yury (o gordo zarolho), Volodya, Oleg e Olga (a mais velha). E é esta
que acaba de trazer para o grupo um novo membro, Kolya, que reúne as condições
indispensáveis para ser aceite por aquela estranha trupe: ser órfão e trazer
alguma coisa para benefício de todos.
A fome
aperta e as crianças resolvem aproveitar aquilo que Kolya trouxe para o grupo –
ele sabe onde fica uma quinta que ainda tem comida. Basta ir lá roubar alguma.
Cabe a Vadim e Kolya fazerem o assalto à propriedade. São bem-sucedidos. Não só
trazem mochilas carregadas de ovos frescos como um novo membro para o grupo, a
galinha Svetlana.
Mas os
tempos de inocência estão prestes a terminar. As chuvas torrenciais anunciam a
chegada iminente do Inverno. E os nevões que se seguem provam-lhes que o gélido
general acabou de se instalar.
O grupo
não tem comida nem abrigo. E, por questões de segurança, vê-se obrigado a
manter-se em constante movimento. A situação das crianças é desoladora. Mas não
lhes corre nas veias o sangue dos cobardes e dos desistentes. Em prol do grupo
vão fazer tudo para sobreviverem. Mesmo tudo! Afinal, camponeses e os exércitos
dos dois lados já os chamam de “Os Filhos de Baba Yaga”.
Para os
países anglófilos, uma novela gráfica é um tipo de obra que combina palavras e
desenhos, não se podendo confundir com uma publicação periódica (comic), e contendo uma história
completa. Em termos literários, para os europeus, uma novela é uma narrativa
que se situa entre o conto (mais curto) e o romance (mais extenso). Agora,
juntem-lhe o “gráfico” e “história completa” e têm, na verdadeira acepção do
termo, Os filhos de Baba Yaga, a nova
novela gráfica de Luís Louro.
Desde
logo, há que dizer que estamos aqui perante uma cuidada e inteligente narrativa
que tem na intensidade da mensagem um dos seus grandes trunfos. Sendo o outro a
capacidade renovadora do autor em termos narrativos e gráficos.
O
resumo redutor da obra diria que se trata da história de um grupo de crianças
que tenta sobreviver, por todos os meios, aos horrores da guerra; neste caso, a
Segunda Guerra Mundial. Não deixando de ser verdade, limita tanto a percepção
da história como qualquer comentário que diga que as aventuras de O Corvo são, exclusivamente, obras de
humor, pondo de parte a densidade psicológica do protagonista bem como os
assuntos sociais abordados.
A
intensidade de Os Filhos de Baba Yaga
reside no facto de termos onze crianças órfãs, entre os 5 e os 13 anos de
idade, que são obrigadas a arranjar maneira de sobreviverem sozinhas, sem
qualquer ajuda e, para além disso, em tempo de guerra. Mais ainda, a acção
decorre na passagem do Outono para o Inverno, sendo esta mudança de estação
sinónimo não só do agravar das condições de sobrevivência, mas também o
prenúncio da evolução das crianças para a monstruosidade.
Os Filhos de Baba Yaga é, por isso, uma novela de crescimento e descoberta,
sendo que nem sempre se cresce para o lado certo.
Em
certa medida, até lembra The Body, a
obra de Stephen King que deu origem ao magnífico filme Stand by Me (Conta Comigo,
na versão portuguesa). Em ambos os casos há uma viagem de crescimento, um
ambiente adverso e muita camaradagem. E até há um narrador-personagem de
posição subjectiva, autodiegético. O que faz diferir as duas obras (para além
do evidente) é a mensagem. Na de King, uma aventura de Verão vai definir o
carácter futuro de quatro rapazes. Na de Louro, o futuro tem um alcance curto,
as personalidades formam-se rapidamente e do mesmo modo se extinguem, e até a
camaradagem degenera. A excepção é o narrador que, mais tarde, tem tempo para crescer
e iniciar nova viagem, agora de redenção. Se Stephen King lê-se português,
ficaria com inveja. Ou, pelo menos, desejaria apadrinhar o jovem Luís Louro.
Esta
narrativa de Louro tem o mérito (como a maior parte das suas obras) de esconder
a complexidade através da aparente simplicidade.
Desde
logo, o tempo que corre a dois tempos. O tempo de cada acção é constantemente
minado por pequenas prolepses quase imperceptíveis. O resultado é um
desenvolver da história equilibrado durante a qual passam Outono e Inverno sem
que o leitor sinta que tudo foi feito a correr. E, por outro lado, não sentimos
que a história se arraste. O controle do tempo é coisa importante para um
escritor e o Louro fá-lo na perfeição. Deste modo, nada se sente extemporâneo
ou inverosímil. Não ficamos por isso chocados com o momento em que as crianças
passam de “bons selvagens” para demónios. Choca-nos que se transformem em
demónios, mas não o momento em que tal acontece.

Já
sabemos que o grupo de crianças vai fazer de tudo para sobreviver à guerra e ao
Inverno. Mas, ainda em termos de complexidade, Luís Louro não se limita a
colocar os órfãos em situações extremas. Antes lhes limpa as almas de quaisquer
resquícios de humanidade e os faz viver numa espécie de apatia amoral. Nesse
sentido, vejam o pormenor da pequena Tatiana, cheia de frio, a aquecer as mãos
no calor emitido por um cadáver a arder. E reparem como o rosto dela nos mostra
um terno consolo. Os valores humanos são completamente invertidos, não tanto
pelo acto, mas pela expressão no rosto da criança. E este é apenas um exemplo
de muitos que pontuam a obra.

Os Filhos de Baba Yaga é uma obra muito dura. Diria mesmo cruel. A violência
é levada ao extremo, embora sem gratuitidades. E as crianças não fazem disso um
drama. São coisas que têm de acontecer. Ou na sequência de brincadeiras ou por
pura necessidade, mas sem quaisquer dilemas ou remorsos. E os “pobres” miúdos
crescem para a monstruosidade e comungam, felizes, o facto de serem
considerados os filhos de um dos mais terríveis, ambíguos e enigmáticos seres
do folclore eslavo – a “bruxa” Baba Yaga.
Como
disse acima, a narrativa é cuidada, inteligente e tem um dos seus trunfos na
intensidade da mensagem. Mas dessa falarei no fim.
O outro
trunfo é a capacidade de Luís Louro de se renovar em termos narrativos e
gráficos.
Para os
leitores habituais do autor não será surpresa a narrativa andar intimamente a
par com o grafismo; afinal, argumentista e desenhador são um só.
Mas
nunca Luís Louro conseguiu casar tão bem uma e outro, a que teremos de
acrescentar outra das suas artes maiores – a colorização.
Não só
a história é original (esqueçamos O Deus
das Moscas, de Golding), como quase nos leva à loucura. “Como é possível
crianças chegarem a este ponto?”, perguntar-se-á o leitor. E a questão é tão
pertinente num cenário da Segunda Guerra Mundial como é agora na Ucrânia ou na
Palestina. Sem pretensiosismos, Luís Louro não fala apenas para os fãs ou
amantes de Banda Desenhada. Com Os Filhos
de Baba Yaga, Luís Louro fala para o mundo… com uma linguagem
verdadeiramente universal.
E o
narrador surge como uma espécie de Jiminy Cricket ou Grilo Falante, com funções
de ser a consciência do leitor. Com este subterfúgio narrativo, Louro consegue
a empatia do leitor, o desespero do leitor, a admiração do leitor. História e
narrativa gravam-se de modo indelével nas nossas mentes. Ainda para mais porque
a história é esta, não sujeita a continuações ou reviravoltas em tertúlias
pós-leitura. Se nos sentimos amargurados, é para sempre! Se nos sentimos
esperançosos, para sempre será!
Não
ficando satisfeito com a evolução da sua escrita, Luís Louro decide também
passar a sua arte ao patamar seguinte (digo-o assim pois não sei quantos mais
patamares irá subir nas próximas obras).
Os
leitores habituais do autor reconhecerão, aqui e ali, o seu traço
característico. Mas são esses mesmo leitores que mais facilmente perceberão o
evoluir da arte. Esta tornou-se mais realista, sobretudo nos décors e no
“desenho técnico” de armas e carros de combate. Atentem no pormenor do Panzer
que se segue e no trabalho que o autor teve com as lagartas.
Mas o
mesmo acontece com os uniformes dos soldados, as indumentárias dos miúdos e os
acessórios que utilizam. E se o traço do autor é mais reconhecível no rosto dos
personagens, mesmo aí há uma evolução para um certo realismo.
Imaginem
agora o que é criar 11 protagonistas, todos com características faciais
distintas, cada um com a sua roupagem e acessórios. Sem dúvida, este deve ter
sido um dos álbuns de Louro que lhe deu mais trabalho.
Se a
isto juntarmos as inúmeras camadas de cores e efeitos que coloca em cada
vinheta, percebemos que Os Filhos de Baba
Yaga é uma história de amor entre autor e a sua nova obra.
Para
que tenham uma noção do que falo, observem a próxima imagem. São mais de 50
layers (camadas) aplicadas na vinheta, incluindo a ferrugem que mal se detecta
no carro de combate (são os preciosismos do Louro).
Falando
de preciosismos do autor, podemos falar também do seu gosto pelo detalhe e por
criar cenas complexas, com a possibilidade de múltiplas leituras. Neste álbum,
o leitor é brindado com uma série de imagens em página dupla que farão não só as
suas delícias como serão dignas representantes da arte do autor em qualquer
exposição.
Nesse
sentido, vejam as duas imagens que se seguem. Na primeira temos uma cena de
caos, de destruição total, em vários planos. Num primeiro plano, um dos miúdos
parece de guarda a um cano de esgoto cujos fluídos congelaram e o uniram ao
rio. No mesmo plano, um carro de combate russo destruído. Num segundo plano,
temos a ponte vítima de um ataque e dois dos miúdos debaixo dela. Num terceiro
plano, o bosque circundante começa a arder e colunas de fumo enegrecem os céus.
E, por fim, dois aviões, parecem afastar-se, apáticos, da destruição que
causaram.
Na
segunda imagem temos, aparentemente, uma cena com menos pormenores, mas
igualmente detalhada. Primeiro plano, a pequena Tatiana com o seu ursinho de
peluche num espeto. Segundo plano, alguns dos miúdos. Terceiro plano, a quinta
a arder. O segredo aqui está no fogo descontrolado, quase num estilo
impressionista. O detalhe não está nas labaredas ou nos seus contornos (até
porque não os há), mas nas pinceladas de amarelos, laranjas e encarnados que o
direcionam para todos os lados, dando a sensação de estarmos perante um fogo
real, em movimento.
Algo
que o autor tem muito aprimorado é o seu sentido de profundidade, visível na
maior parte das suas obras. Mas agora, com a sua mudança propositada de estilo
para este álbum, a profundidade parece ganhar outro sentido. E com ela, Louro
gera imagens de grande beleza cénica e estética, com ou sem figuras humanas.

Em
termos gráficos, outra característica notável nesta obra é o grande domínio da
luz. Os contrastes entre o preto e as cores são extraordinários, como é bem
visível ao longo da obra. Por vezes, os múltiplos focos de luz parecem tornar
quase impossível a colorização de uma simples vinheta, mas Louro atinge sempre
os seus objectivos com mestria. Mas o mais impressionante é o que ele consegue
fazer nas cenas em que o fogo tem predomínio ou, ainda mais, nas cenas em que
parece brincar com uma única cor e com inúmeras variantes da mesma. No exemplo
que se segue, o autor joga com a predominância da cor quente, quebrada com um
apontamento de cor fria, como que dizendo ao leitor “o momento de conforto é
efémero, pois lá fora o frio e a guerra esperam pelas crianças”. Ao olharmos
para uma vinheta de Louro, temos de saber olhar e fazer-lhe a devida vénia.

Ao
longo da obra há uma prevalência dos castanhos na primeira parte, a referente
ao Outono. Uma prevalência dos brancos e azuis na segunda parte, a referente ao
Inverno. E uma prevalência dos vermelhos e amarelos quando as cenas são de
conflito. E é com esta paleta que o leitor se habitua ao longo da leitura. Mas
Luís Louro tem uma mente irrequieta e gosta de brincar com o leitor e de
brindá-lo com momentos surpreendentes e chocantes. E desses momentos, o melhor
conseguido é aquele em que, ao longo de duas pranchas, muda radicalmente de
paleta e oferece-nos o domínio dos verdes numa espectacular aurora boreal.
São
muitas as referências que poderia fazer ao crescimento gráfico do autor nesta
obra.
Mas é
também importante referir que os cânones “luisianos” estão lá todos.
Desde
logo, a omnipresença de folhas de Outono, mesmo quando elas já não deveriam
existir. É sabido que o Inverno, sobretudo nas latitudes em que este traz a
neve, elimina as provas da existência de uma estação anterior. Mas Luís Louro
não deixa que isso aconteça desde 1997, ano em que publicou Coração de Papel. Este foi o momento em
que as folhas outonais se tornaram uma das suas imagens de marca,
independentemente da estação do ano em que decorra a acção das suas obras.
Encontrarão exemplos disso em muitas das imagens acima publicadas.
Outro
dos seus cânones é o que se pode sintetizar por “mamocas”. Ou seja, a presença
constante, desde 1985, de mulheres nuas ou seminuas, altas ou baixas, gordas ou
magras, curvilíneas ou rectas. Numa obra como Os Filhos de Baba Yaga, respeitar este cânone é difícil. Mesmo
assim, Louro consegue honrar as suas próprias regras e, de forma não gratuita,
perfeitamente inseridas no correr da narrativa e no desenvolvimento psicológico
dos personagens.
Luís
Louro costuma também criar personagens que servem como escape da acção ou como
aliviadores da tensão narrativa. N’Os Filhos de Baba Yaga esse papel coube à
“galinha” Svetlana. Roubada de uma quinta pelos rapazes, o grupo passa todo o
tempo da história à espera que ela ponha ovos. Teimosa, recusa-se a fazê-lo,
embora tenha razões muito válidas para isso.
E,
claro está, esta não seria uma obra do autor se não tivesse as chamadas “louro
referências”. Ou seja, aqueles pormenores que Louro coloca numa nova obra
referindo-se a obras anteriores.
Por
fim, Luís Louro cria sempre elementos recorrentes nas suas obras. Nas aventuras
de O Corvo, é a eterna lua cheia. A lua da fertilidade, pronta a ver nascer,
diariamente, o alter-ego do herói, o Vicente.
Em Os Filhos de Baba Yaga, os elementos
recorrentes são os corvos e as caveiras cravadas em espetos. Se do primeiro
elemento não restam grandes dúvidas que se trata de uma homenagem ao
Corvo/Vicente, do segundo elemento a leitura não será tão linear. Para mim, e
tendo em conta a mensagem maior da história, as caveiras simbolizam o fim de
tudo o que nos identifica, sendo que o que fica (os ossos) nos aproxima uns dos
outros. E, apesar disso, estas caveiras são identificadas pelos capacetes dos
respectivos exércitos ou com a pintura de suásticas ou de estrelas douradas
soviéticas.
Os Filhos de Baba Yaga é, até à data, a opus
magnum de Luís Louro.
O
cuidado que o autor coloco no processo narrativo, na história em si e em todo o
grafismo são epítome disso mesmo. Os extras
demonstram a consideração e o desejo de partilha que ele tem para com os seus
leitores, revelando técnicas e truques.
O
recurso a Klavdiya Barsukova, especialista em russo, permite brindar os
leitores com expressões em cirílico, recusando notas de rodapé e levando-nos a
pesquisar e a entrarmos ainda mais no espírito da obra.
O humor
característico de Louro é aqui contido. E o que existe está em total
consonância com o tom da história. Quando há, é sobretudo um humor negro.
Para
bem dos seus leitores e de futuras gerações, Luís Louro soube reinventar-se.
Longe vão os tempos de Jim del Monaco (também ele faz 40 anos em 2025) e seria
então impensável que, quatro décadas mais tarde, o autor conseguiria criar algo
de absolutamente original como fez em 1985.
Mas o
que mais me impressiona em Os Filhos de
Baba Yaga é a intensidade da mensagem e a maneira como ela é entregue ao
leitor.
No
momento em que escrevo estas linhas oiço a triste notícia da morte do Papa
Francisco. Um homem bom, transversal às sociedades e civilizações, um político
apolítico, um arauto da paz, paladino contra as injustiças e profundamente
ecuménico. Lutou até ao derradeiro suspiro contra as guerras, fosse através de
mensagens serenas e objectivas, fosse com murros na mesa ou diplomacia, mas
sempre com esperança.
Há
variadas maneiras de transmitir a mesma mensagem. O Papa Francisco apelou ao
fim das guerras e a uma paz generalizada através do santo exemplo. Luís Louro
faz o mesmo em Os Filhos de Baba Yaga. Apela
ao fim das guerras dando o exemplo do horror que elas criam, até quando tocam o
coração das crianças.
No ano
da morte do Papa… Francisco e Luís não podiam estar mais perto. Bem hajam os
dois!
Os Filhos de Baba Yaga – absolutamente imperdível!
Por Francisco Lyon de Castro