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29 setembro, 2024

Leituras: O combate de Henry Fleming, de Steve Cuzor

Posso parecer ser suspeito para falar desta obra, pois envolve Steve Cuzor, mas a verdade é que este O combate de Henry Fleming é mais um tratado em termos de argumento e desenho. O autor adapta para banda desenhada o romance The Red Badge of Courage, de Stephen Crane, cuja narrativa decorre durante a brutal Batalha de Chancellorsville no decurso da Guerra Civil Americana.

Depois da leitura do magnifico Uma estrela de algodão preto (Ala dos Livros, 2023), mudamos de cenário, mas continuamos num teatro de guerra. Nas margens do rio Rappahannock, Henry Fleming é o jovem protagonista que nos conduz até a linha da frente do seu primeiro combate. Enquanto leitores somos colocados no campo visual de um simples soldado de infantaria. E a partir daqui tudo se desenrola. As conversas e as angústias antes e durante a batalha. A loucura do compromisso de quem marcha para a morte. É esta a força da narrativa. 

Mas mais que o horror da guerra, a obra aborda a irracionalidade da mesma. O regimento de Henry é tratado como “carne para canhão”. Meros campónios, labregos ao dispor de ordens estúpidas. Mas Henry questiona-se. Vagueia entre sentimentos e arrependimentos. A vontade de fugir e a vergonha de ter fugido.  Cuzor alcança o equilíbrio entre a complexa luta interna de Henry e a brutalidade e intensidade das cenas de batalha retratadas de forma realista. A ilustração perfeita do desejo de combater e o medo de morrer. Sentimos o tormento e compreendemos as acções, porque se trata aqui de (mais) uma reflexão sobre o absurdo da guerra, e neste sentido o desfecho da história não desilude.

O autor desenha ambientes, cenários, momentos, cenas, como quem tira belas fotografias, e o resultado é sumptuoso ao longo de 150 páginas. Os tons monocromáticos que acompanham toda a narrativa gráfica conferem-lhe um forte impacto visual. Tudo junto e repito que toda a arte de Cuzor é sublime.

Ao nível da edição, o álbum todo é mais um excelente trabalho da Ala dos Livros.
Tudo muito bom nesta obra!
 
Avaliação:

24 abril, 2024

Leituras: A Estrada, de Manu Larcenet

Não escrevo sobre as minhas leituras tantas vezes quanto o poderia desejar, mas por vezes há obras cujo prazer de leitura é tão grande, que não temos como evitar fazer. Esta é uma delas.

Do mesmo autor, Manu Larcenet, que nos brindou anteriormente com o magnifico Relatório de Brodeck, já editado em português pela Ala dos Livros, temos agora, pela mesma editora, A Estrada, a adaptação gráfica do aclamado romance de Cormac McCarthy. 

Uma história que se pode resumir em poucas palavras: a jornada de um pai e filho ao longo de uma estrada de destino incerto, atravessando um mundo devastado onde a luta pela sobrevivência é diária e feita de desconfianças. Enganadoramente simples, a premissa convida à reflexão profunda sobre a essência do ser humano.

Mantendo-se fiel ao romance original, a mais-valia de Larcenet é apresentar-nos mais uma obra absolutamente irrepreensível, com a sua extraordinária capacidade de capturar graficamente a essência humana com um toque dramático de realismo. A atmosfera da história é intensa e sombria, e é na relação familiar que une os dois protagonistas que reside o coração emocional da obra. Enquanto leitores absorvemos as angústias de um pai que, rodeado de morte, nada mais tem para oferecer ao filho senão a sua determinação em cumprir  a promessa de garantir a sobrevivência de ambos. Na criança vemos uma inocência e uma esperança que desafiam as circunstâncias brutais que os cercam. 

À semelhança do sucedido no citado anteriormente O Relatório de Brodeck, Larcenet transporta-nos aqui, mais uma vez, numa viagem emocional onde o instinto da sobrevivência ameaça a humanidade do homem. Agora num cenário devastador pós-apocalíptico, somos testemunhas do difícil equilíbrio entre a resiliência do adulto e a bondade da criança, que o autor habilmente gere pintando silêncios visuais ao longo de quase toda a narrativa.

O desenho, em linhas ásperas, não é apenas um complemento à narrativa. Recria um ambiente de desolação, onde as cinzas predominam, e a combinação de uma paleta de cores funestas que variam em função dos desenvolvimentos, com utilização de tons mais fortes para retratar momentos de angústia e horror e mais claros para momentos de alívio, é uma parte integral da experiência de imersão na história. O resultado é um retrato gráfico perfeito de desolação e da morte da esperança numa civilização que colapsou, e uma estrada que nos convida a uma introspeção.

Um bem-haja por ter sido a Ala dos Livros a pegar esta obra, pela garantia de qualidade de edição do objecto físico que é o livro. Nota máxima para um álbum que, não obstante ainda estarmos em Abril, é praticamente certo que se encontrará entre as minhas escolhas para as melhores leituras do ano. 

 Avaliação:



07 março, 2024

As Melhores Leituras de 2023

Serve este para reparar a falta comigo mesmo. Para fechar o Balanço de 2023 faltava-me deixar aqui as minhas melhores leituras do ano. A ideia é destacar apenas as “melhores das melhores” leituras que fiz dentro do que se publicou no mercado nacional durante o ano passado, fugindo daquele facilitismo de nomear tudo e todos. Posto isto, digo que foi um mais ano generoso o que dificultou alguma escolha entre os quase trezentos e cinquenta novos lançamentos contabilizados.

É verdade que mais de metade do que foi editado, quer seja pelo desenho, quer seja pelo argumento, não me despertou qualquer interesse ou entusiasmo, possivelmente porque ou não me enquadro no público-alvo daquelas edições ou então simplesmente porque as edições não o merecem. Por outro lado, outras obras há que me encheram as medidas, pelo cuidado na edição, pela qualidade do argumento, pela excelência do desenho. E foram estas as que nos ficam na retina, e que me facilitou depois esta tarefa de escolha. O mais difícil do exercício é o de completar o TOP 9 com a selecção de mais dois ou três álbuns entre uma oferta que se mostrou de grande qualidade. Mas cheguei lá.

São estas as melhores bandas desenhadas de 2023, um tributo à sublime arte de contar histórias em narrativa gráfica, cuja leitura recomendo fortemente:

(mosaico com disposição aleatória)

 

(apresentação das obras por ordem alfabética)

1629 - O Boticário do Diabo… ou a história apavorante dos náufragos do Jakarta

Sente-se permanentemente a tensão a bordo nesta obra! Na primeira parte de um díptico embarcamos num navio da Companhia Holandesa das Índias Orientais do século XVII, para uma viagem que já sabemos que não vai acabar bem. Baseado numa história verídica, o argumentista Xavier Dorison proporciona um excelente momento de leitura, trazendo-nos com mestria a atmosfera de conflito latente reinante entre uma trágica tripulação, resultante de um jogo psicológico de interesses e de desequilibro de poderes entre os vários protagonistas, ao qual o traço realista de Thimothée Montaigne confere uma dimensão ainda mais negra. Grande expectativa para o segundo volume. A edição é da Arte de Autor. 

Blacksad - Então, tudo cai - Segunda Parte

Começo pelo óbvio: é tudo muito bom no universo antropomórfico de Blacksad! Neste álbum recuperamos a leitura para a segunda e conclusiva parte da mais longa das aventuras. Juan Díaz Canalès embalou-nos para mais um policial bem conseguido numa Nova Iorque onde os fios da construção e da corrupção tecem uma teia que aprisiona a cidade. A riqueza da narrativa centra-se no retrato social perfeito das suas personagens. Um microcosmo de complexidades e contradições. E Juanjo Guarnido brinda-nos (mais uma vez) com o seu traço exuberante e esplendoroso, preenchendo o desenho com múltiplas e deliciosas referências. A história, tal como uma investigação, vai-se descobrindo entre desenvolvimentos e reviravoltas, com o cair das máscaras até desenlace final tão inesperado quanto o destino que aguarda cada personagem. Maravilhosa leitura. A edição é da Ala dos Livros. 

Em Busca do Tintin perdido

Em páginas que são janelas para a alma, Em Busca do Tintin perdido, obra de cariz biográfico do brasileiro Ricardo Leite, é uma ode apaixonada à nona arte! Cada bela ilustração é um sussurro de admiração e cada palavra um tributo. Ao longo de mais de duzentas páginas, seguimos com o autor na sua demanda pelo "bichinho" da banda desenhada. Numa viagem ao interior da sua prolífica imaginação, somos convidados a ser mais do que leitores - somos exploradores de um território onde as múltiplas referências e metáforas são estrelas a seguir e as conversas com os autores do panteão bedéfilo são luzes que iluminam o caminho. Com jogos gráficos que subvertem os habituais cânones da narrativa sequencial, estes são verdadeiras e inspiradas homenagens que o autor presta aos mestres que moldaram o seu sonho. Esta edição de A Seita não é apenas um livro; é um portal para um mundo onde a banda desenhada é a linguagem universal. 

Frankenstein de Mary Shelley

Depois do seu magnifico trabalho com Drácula de Bram Stocker, só podíamos esperar que Georges Bess espalhasse o seu talento em mais uma bela e fiel adaptação de um conto gótico. E aconteceu com este clássico Frankstein de May Shelley. Um resultado cinco estrelas. Um registo num traço a preto e branco, de recorte fino e repleto de detalhes consegue que acentuar a dramatologia de uma trágica história de ambição desmedida e incompreensão humana. A capacidade narrativa do autor permite aqui replicar a empatia do leitor em relação à infeliz criatura. Trabalho fantástico. A edição é A Seita.

Mattéo - Sexta Época (2 de Setembro de 1939 – 3 de Junho de 1940)

Estamos perante o desenlace de uma bela saga que em seis épocas revisitou um quarto da nossa História, numa história de paixão e perda, sacrifício e infortúnio, condicionada pelas emoções de encontros felizes e infelizes. Temos uma narrativa que navega pelos turbulentos conflitos militares do século XX, desde as trincheiras da Primeira Guerra Mundial, passando pelos ecos da Revolução Russa, até aos clamores da Guerra Civil Espanhola para chegar à segunda Grande Guerra. É neste palco, que o autor Jean-Pierre Gibrat traz-nos a metamorfose de um herói da grande guerra em desertor condenado, na personagem de Mattéo, filho de um anarquista espanhol, um belo estereótipo de todos os sonhadores utópicos que acreditam na bondade e na beleza dos ideais revolucionários. A arte que acompanha é simplesmente extraordinária, uma sinfonia visual pintada com mestria a aguarela, e donde sobressai, mais uma vez, a grande sensualidade das personagens femininas de Gibrat, com grandes semelhança de outras histórias, mas sempre belas de admirar. Magnifica colecção, composta por seis álbuns, selada com distinção pela Ala dos Livros. 

Monster – volume 1

De leitura voraz, estamos temos uma história sinistra e complexa, mas simultaneamente cativante. Aborda questões morais (todas as vidas terão o mesmo valor?) da responsabilidade e das consequências de nossas escolhas. São estas as premissas para a viagem entre as sombras da personagem principal, o médico Kenzo Tenma, aos limites da natureza humana, numa narrativa habilmente explorada por Naoki Urasawa, com um rol de personagens bem estruturados, que evolui freneticamente através de sucessivos desenvolvimentos e ramificações da perseguição a um assassino em série numa Alemanha pós-muro. O desenho num registo clássico é preciso, detalhado e realista servindo muito bem um mangá da categoria seinen. Este é o primeiro tomo de uma colecção composta por volumes duplos, numa excelente aposta da editora Devir. 

Sou o Seu Silêncio – Um Policial em Barcelona

O autor espanhol Jordi Lafebre, que já nos tinha cativado anteriormente com a comédia romântica Apesar de Tudo, regressou agora com um enredo policial. Assume mais uma vez a escrita e o desenho. A história desenrola-se a partir de uma consulta de terapia da extrovertida Eva Rojas, uma jovem psiquiatra com problemas de personalidade. A misteriosa morte de um herdeiro durante uma reunião familiar, naquilo que quase parece ser um clássico para as aventuras do detective Hercule Poirot, é o ponto de partida para uma divertida narrativa, muito por culpa da Eva. É a força desta personagem, com a sua atitude desafiante e ao mesmo tempo sedutora, que nos toma toda a atenção ao longo da história. Pode-se dizer que começa a existir uma imagem de marca de Lafebre: as suas personagens cativantes. De leitura deliciosa. A edição é da Arte de Autor.

Spirou - A Esperança Nunca Morre... (terceira parte)

O terceiro volume de quatro de uma magnifica obra que destaca por uma história impactante, eco da gravidade dos eventos que a moldaram. Em A Esperança nunca morre… o autor Émile Bravo revisita um dos capítulos mais marcantes da história da Bélgica, com a invasão do território pelas tropas alemãs no decurso da Segunda Guerra Mundial. Servindo-se da ingenuidade da personagem do Spirou - aqui fora do registo aventureiro a que estávamos habituados - transforma-o em símbolo de consciência humanista perante o horror da guerra e das suas consequências. É através de Spirou e de um ambíguo Fantásio, que somos apresentados a uma gama de personagens humanos e complexos, cada um lutando com suas próprias batalhas internas e externas. É o drama da ocupação contado com uma sensibilidade e toques de humor que transcendem as páginas. Bravo de uma forma tão emocionante quanto educativa, retrata a esperança em tempos de desespero, a coragem face do medo e a resiliência contra todas as probabilidades. Uma bela e bem conseguida história numa excelente aposta da editora ASA.

Uma Estrela de Algodão Preto

No palco da História, onde o drama da Segunda Guerra Mundial se desenrola, Yves Sente, numa narrativa poderosa, tece uma tapeçaria de emoções humanas - injustiça, orgulho, coragem – numa colagem que transcende o tempo, num conseguido equilíbrio entre diferentes épocas. No ano de 1944, três soldados negros americanos, marginalizados por uma política de segregação vigente no exército dos EUA, mas determinados em honra, oferecem-se como voluntários para uma difícil missão que desafia a morte, de recuperar a primeira bandeira que foi feita para representar os Estados Unidos, e cujas estrelas escondem um segredo que remonta a 1776. É o começo de uma nova frente na história de luta pela igualdade e respeito, onde o horror da guerra é graficamente realista graças ao magnífico desenho de Steve Cuzor (um autor a reter), onde cada traço é uma homenagem à bravura, cada sombra uma meditação sobre a tragédia. Uma história densa e emotiva, que tem tanto de enriquecedora como de envolvente, termina mostrando a trágica banalidade das pequenas conquistas. Soberbo. Uma obra que envolve o leitor. Se tivesse de escolher apenas um álbum, sem hesitação, esta seria a minha escolha de 2023. Primorosa edição com a chancela da Ala dos Livros. 

 

11 outubro, 2023

Leituras: Uma estrela de algodão negro

Não tenho conseguido ler muita banda desenhada nos últimos tempos, mas que tenho lido, felizmente, têm-me enchido as medidas. E hoje trago uma dessas leituras. Trata-se de álbum que confronta o leitor com uma dura realidade histórica, a questão da segregação racial que sempre dividiu a sociedade americana, e que aqui é representada sob um pano de fundo histórico bem conseguido.
 
UMA ESTRELA DE ALGODÃO PRETO, uma recente edição da editora  ALA DOS LIVROS, é um álbum poderoso. Quando qualquer história mexe com o leitor, então o objectivo do livro realiza-se. Foi este o caso.
 
O nosso já conhecido Yves Sente (ainda no ano passado tivemos deste autor o magnifico A Vingança do Conde Skarbek) tem aqui mais uma narrativa bem construida, combinando elementos reais com ficcionais, e com um tratamento bastante interessante de questões históricas, sociais e culturais. Apresenta ao leitor uma história de guerra, onde sentimentos de injustiça, orgulho e coragem são impulsionados por personagens cativantes.
 
Transporta-nos para o cenário europeu da Segunda Guerra Mundial, onde acompanhamos a difícil missão de três soldados afro-americanos na recuperação da primeira bandeira da União, cujo simbolismo associado se revelava de elevada importância na História do Estados Unidos. Estabelece-se aqui um paralelismo com os chamados Monument Men, uma secção das forças aliadas que teve um papel vital na recuperação e preservação de obras de arte e tesouros culturais durante a Segunda Guerra Mundial, crucial para preservar a herança cultural e histórica da Europa. Sente não se esquiva em dar o papel principal a estas três personagens, em especial o soldado Lincoln por quem sentimos uma natural empatia, para abordar uma dura realidade: a segregação racial vigorava em 1944 no exército dos EUA. 
 
E depois temos a arte de Steve Cuzor. Para quem o conhece já sabe ao que vai; para quem como eu não conhecia (teve uma pequena participação a meias no álbum Go West Young Man, que não deu para avaliar bem) acreditem que é uma bela surpresa. Dono de um traço limpo, elegante extremamente  realista, trabalha muito bem todos os diferentes cenários (brutal o desembarque na Normandia) e intervenientes da narrativa, é aqui muito muito bem secundado pela colorista Meephe Versaevel que com as suas cores monocromáticas particularmente cuidadas e contratantes definem ambientes, proporcionando um deleite visual ao longo de todo o álbum.

Em resumo, uma história densa e emotiva, que tem tanto de enriquecedora como de envolvente. E há toda uma atmosfera visual que dá um verdadeiro sabor à narrativa. O desfecho trágico é inesperado e acabo a leitura com um murro no estômago. Sem dúvidas, temos aqui um dos álbuns do ano!
 
A edição da Ala dos Livros é primorosa como aliás é apanágio desta editora. Álbum duplo que reúne os dois volumes que compõem a história, que é servida no formato de capa dura e nas generosas dimensões de 31x23 que dificilmente não deixam de agradar ao leitor de bd franco-belga.
 
Avaliação:
 

03 fevereiro, 2023

Leituras: As Grandes Batalhas Navais - Jutlândia

JUTLÂNDIA, o primeiro franco-belga publicado este ano, e o álbum que abriu uma nova colecção na GRADIVA, dedicada às Grandes Batalhas Navais da História, assinado por Jean-Yves Delitte, pintor oficial da Marinha belga, e autor que ficamos a conhecer pela colecção U-Boot (ASA), revelou-se uma leitura agridoce.
 
Um pequeno parêntesis para dizer que, não obstante no original francês este Jutlândia corresponder ao segundo volume da coleção, não existe aqui qualquer inconveniente no seu lançamento antecipado (existiram razões técnicas que o justificam). Primeiro, porque os álbuns não são numerados, mas sim classificados pelo período da História a que respeitam, desde a Antiguidade até à Época contemporânea; segundo, porque cada álbum traz uma história fechada. Logo a ordem de saída dos mesmos por cá torna-se irrelevante pormenor.
 
Em plena Primeira Grande Guerra, a batalha da Jutlândia, ocorrida entre 31 de Maio e 1 de Junho de 1916, ao largo da península dinamarquesa que dá o nome, e que opôs a Royal Navy inglesa contra a Kaiserliche Maine alemã, é tida como como uma das grandes batalhas navais da nossa História.
 
O autor conduz-nos ao cenário de guerra através da visão dos oficiais da marinha inglesa. Percebemos as causas e os preparativos, mas a verdade é que chegados ao confronto, a narrativa gráfica falha o tiro. Não me refiro ao desenho das embarcações navais, porque este se mostra magnifico (veja-se as páginas duplas) mas sim na representação da batalha em si, que é muito pouco mostrada e como tal peca por escassa. Logo aquilo que seria o ponto forte do álbum. Sente-se que faltam páginas de intensidade, de confronto, de manobras e movimentações militares, de acção e adrenalina vividas pelas tripulações dos navios. É um álbum sobre guerra. Estiveram envolvidos cerca de 250 navios, dos quais 10% foram afundados. Apesar de declarada como vencedora, porque a frota alemã retirou-se do cenário de guerra, a marinha inglesa sofreu pesadas baixas, entre vidas humanas e navios. Mas isso pouco ou nada transparece para o leitor. É pena.
 
Quero acreditar que haverá batalhas mais bem representadas que outras, até porque a premissa desta colecção agrada-me muito. Apesar deste tiro na água, vou continuar a acompanhar.
 
Agora, uma nota muito positiva para o dossier histórico incluído no álbum, que dá uma extensa e pormenorizada visão todos os aspectos da batalha, e que se revela um excelente complemento. Enriquece a edição que já se apresentava com bela ilustração na capa.

Avaliação:
 

30 dezembro, 2022

As Melhores Leituras de 2022

Como já vem sendo hábito publico aqui o meu Top 9 do ano relativamente aos melhores álbuns que li durante o ano que agora termina. Apesar os tempos incertos em que vivemos, tivemos um 2022 rico em novidades numa quantidade tal que prevejo que dificilmente se repetirá nos próximos tempos. Editou-se por cá coisas muito boas numa oferta bastante diversificada de grande qualidade narrativa e gráfica e em belas e cuidadas edições. Dito isto, nas leituras que tenho vindo a fazer, posso afirmar que há álbuns incontornáveis, outros quase obrigatórios e alguns que foram verdadeiras surpresas.
 
Para quem acompanha este blogue, estas minhas escolhas já não devem constituir qualquer surpresa porque encontram-se incluídas nas sugestões que fiz para o Natal. Devo dizer que não foi um processo de escolha  fácil - nenhuma o é - e podia referir mais uma mão-cheia de obras que mereciam uma menção honrosa, mas a ideia aqui é mesmo destacar os melhores entre os melhores.
 
O franco-belga domina indiscutivelmente os meus gostos, e quanto a isso não há remédio. Uma palavra adicional para mais uma nomeação de Luís Louro, indiscutivelmente o mais completo dos autores nacionais, e como tal um excelente representante do melhor que se faz na BD nacional. A presença de uma obra mangá justifica-se porque este género teve este ano a sua explosão no nosso mercado, não só pelo numero de novidades (+60) mas igualmente pelo número de editoras que este ano incluíram este género no seu catalogo, e este One-Piece traz lá de fora números verdadeiramente demolidores.
 
Assim, sem qualquer critério na disposição ou arrumação, e a formar o quadrado perfeito, são este os obrigatórios e as minhas Melhores Leituras de 2022:


De cima para baixo, da esquerda para a direita, são estes os títulos e editoras: 

  • A ADOPÇÃO  -  Ed. Ala dos Livros
  • NOIR BURLESCO  -  Ed. A Seita / Arte de Autor
  • DANTE  -  Ed. Ala dos Livros
  • A VINGANÇA DO CONDE SKARBEK  -  Ed. Arte de Autor
  • LITTLE TULIP  -  Ed. Ala dos Livros
  • SPIROU - DIÁRIO DE UM INGÉNUO  -  Ed. Asa
  • MONSTROS  -  Ed. G.Floy
  • UNDERTAKER, vol. 3 - O MONSTRO DE SUTTER CAMP  -  Ed. Ala dos Livros
  • ONE PIECE, vol. 1 - A ALVORADA DA AVENTURA  -  Ed. Devir
 

21 dezembro, 2022

Uma Selecção para o Natal!

Na semana do Natal, o exercício é deixar aqui 12 sugestões de livros de Banda Desenhada para oferecer! A escolha é entre as mais de 280 obras que foram lançadas este ano em Portugal. Como em qualquer escolha sou movido por um gosto pessoal, mas a ideia é mesmo escolher the crème de la crème, tendo em atenção o destinatário da oferta, a qualidade da obra, na história, no desenho, na edição.
 
Existe na linguagem económica, uma feliz expressão se traduz num importante indicador, que sintetiza toda uma ideia: Value for Money (VfM). Ora, estabelecendo aqui uma relação custo-benefício na compra de um livro, sendo o custo o preço que pagamos pela obra, e o benefício a qualidade da obra e prazer que se retira da sua leitura, são estas minhas escolhas VfM para este Natal (a ordem de apresentação é arbitrária):
 
  • Flora e Bambu (Lilliput)

Já aqui tenho falado do bom trabalho que o grupo do Pinguim tem feito na edição de banda desenhada destinada aos mais novos (+6 anos), e como estes também merecem as suas novelas gráficas, parece-me importante incluir nas sugestões a colecção Flora e Bambu. As histórias de amizade, aventura e descobertas destas duas personagens pareceram-me as mais bem conseguidas, pelo seu registo bastante engraçado, de desenho cativante e linguagem simples. O ideal para as primeiras leituras e uma bonita porta de entrada para o mundo da BD.

  • One Piece, vol. 1 - A Alvorada da Aventura (Devir)

O mangá tomou de assalto as prateleiras de banda desenhada das livrarias nacionais, e quem melhor para liderar esse assalto senão aquele que aspira ser o Rei dos Piratas. A fama do mangá mais vendido em todo o mundo diz praticamente tudo sobre esta colecção. Este é o primeiro livro em português e apresenta-se num inédito volume triplo. Pela sua popularidade é, sem dúvida, a edição do ano da editora, e uma boa opção de compra.

  • Spirou - Diário de um Ingénuo (ASA)
E que tal um Spirou servido em moldes completamente diferentes? O autor Emile Brávo surpreende-nos aqui totalmente com um equilibro bem conseguido entre o respeito pelo espírito original da personagem e sua atualização para os nossos tempos, num cenário pré-Segunda Grande Guerra, e com um registo gráfico que presta uma bela homenagem ao clássico franco-belga. Obrigatório. Um dos álbuns do ano.
 
 


  • A Adopção (Ala dos Livros)

O argumentista Zidrou abre-nos de novo as páginas para mais uma dose de compaixão. No bonito registo gráfico de Arno Monin, não ficamos indiferentes ao crescimento de um amor que vai sendo construído pela companhia e cumplicidade à medida que se desenrola a história de uma adopção, mas que não resiste à crueldade de uma realidade. Preparem-se para uma explosão de sentimentos numa edição integral e cuidada. Magnifico. 

  • Undertaker - vol. 3: O Monstro de Sutter Camp (Ala dos Livros)

Se a saga de um cangalheiro itinerante pelas terras de oeste pós-guerra civil americana já é de leitura recomendada, as histórias de vingança trazida nesta primeira parte do díptico elevam a fasquia da série. Uma nova personagem que emerge do passado dá um outra dimensão à palavra vilão. Os desenvolvimentos são rápidos e a leitura é ávida, e ao leitor vai sendo servida pausadamente, e em doses generosas aspectos da terrível e hipnotizante personalidade desta personagem que dá o título a este terceiro álbum. Trata-se do melhor western que foi por cá publicado este ano. E quem lê este primeiro álbum vai rapidamente querer ler o segundo.

  • A Vingança do Conde Skarbek (Arte de Autor)
Uma clássica história de crime e castigo com a acção a decorrer nos meios artísticos parisienses, em meados do século XIX, ilustrada num registo gráfico sumptuoso quase impressionista pelo fabuloso Grzegorz Rosinski. Só por esta combinação já vale a compra. O argumento assinado por Yves Sente é cativante e manipulador. Brinca com leitor com as sucessivas reviravoltas na história, onde ninguém é quem parecer ser. Já vos falei do desenho? O álbum apresenta-se numa belíssima edição integral. Outra das minhas escolhas para os álbuns do ano! 
 
  
  • Monstros (G.Floy)

Literalmente e em todos os sentidos é um livro monstruoso estas mais de 350 páginas de Barry Windsor-Smith, onde o preto e branco do seu traço intenso confere uma atmosfera ainda mais dramática a toda a história já por si complexa e angustiante. O plural do título não é inocente, porque nos traz a loucura da guerra dos Homens e as suas vítimas, e os culpados nos seus diferentes contextos e relações. A carga emocional é violenta, onde ninguém sai ileso, incluído o próprio leitor. Uma bela edição que enriquece qualquer bedeteca.

  • Dante (Ala dos Livros)

Mais um ano mais um álbum, bem pode ser o mote de Luís Louro, que se confirma cada vez mais como o autor português de banda desenhada mais prolífico do panorama actual. Neste álbum, sai da sua zona de conforto de Lisboa, e aventura-se numa amalgama de temas que lhe são queridos, como os Messerschmidt’s e o seu chamado Louroverso, um universo povoado por fadas e goblins e salpicado pelas inúmeras referências. Passada durante a Segunda Grande Guerra, temos uma história de fantasia cheia de simbolismo, da luta do bem contra o mal, de leitura complexa onde o autor cria camadas de leituras deixando o leitor ir estabelecendo os seus paralelismos. Tudo isto é servido numa irrepreensível numa belíssima composição gráfica cheia de dinâmica e cor à qual o Louro já nos habituou. Mais uma bela edição feita com amor da editora.

  • Noir Burlesque (A Seita/Arte de Autor)
Nesta recomendação impõe-se uma declaração de interesses: Enrico Marini, é para mim, dos melhores desenhadores da actualidade. Autor completo, multifacetado, o seu traço elegante e realista enche qualquer página, captando na perfeição qualquer ambiente. Só pelo desenho já valia a pena a compra deste álbum. Mas Marini, faz mais, acrescenta uma história, e transporta-nos para os anos 50 numa homenagem ao cinema americano, assumindo, sem complexos, os clichés clássicos do policial noir, como a figura do gangster, da mulher fatal, o triângulo amoroso. História servida num preto e branco, onde o vermelho realça a sensualidade e a fatalidade. Obrigatório.

 

 

  • Rugas (Levoir)
Este livro não é uma novidade porque se trata de uma reedição, mas daquelas que se justifica plenamente ou não estivesse a obra esgotada. Em Rugas, do autor espanhol Paco Roca, conhecemos Emílio, bancário reformado, portador da doença de doença de Alzheimer e esquecido pelo filho num lar de idosos. Está dado o mote para uma história com uma dimensão humana como poucas histórias em banda desenhada conseguem alcançar. Ainda que o tema principal da história seja a doença de Alzheimer, Paco Roca estabelece um fio condutor que toca a doença, a velhice e a amizade, numa abordagem realista com uma linguagem simples. Rugas é assim uma obra que olha com respeito para o principio do fim, traduzindo-se num bonito e critico ensaio sobre a velhice, o qual dá gosto ler e emocionar. Não há como não gostar. Das melhores obras de Paco Roca.
 
  • Blacksad - Algures entre as sombras
E porque estamos numa de reedições, não posso deixar de sugerir mais esta que saiu este ano. Para quem ainda não conhece Blacksad da fantástica dupla Díaz Canales e Juanjo Guarnido, tem aqui, neste primeiro volume da série, mais uma excelente oportunidade para entrar neste universo noir povoado por personagens antropomórficos, cujas características e comportamentos servem na perfeição a personalidade que representam. John Blacksad, é um gato, um detective privado implacável e incorruptível. As histórias narram as aventuras de um herói solitário numa América de poderosos nos anos 50, navegando entre temáticas como o homicídio, o racismo, a corrupção.  A qualidade gráfica é irrepreensível.  Este primeiro volume apresenta-se numa edição requintada enriquecida com um maravilhoso caderno de extras apresentado pelo desenhador Guarnido. Obrigatório.
 
  • Little Tulip (Ala dos Livros)
Neste álbum regressamos ao mundo de Charyn e Boucq. Histórias onde a qualidade do argumento rivaliza com a qualidade do desenho. Começamos por acompanhar Paul, um tatuador que colabora com a polícia de Nova Iorque na identificação de assassino em série, e em flash-backs do seu passado vamos conhecendo a história da sua difícil infância como Pavel, e como o dom para o desenho lhe permitiu sobreviver no inferno do um gulag. Charyn traz-nos aqui duas histórias paralelas, de um submundo de NY misterioso cheio de lugares escuros e perigosos, e do violento mundo dos gulags soviéticos, com uma auréola de fascínio pela subcultura das tatuagens como condição de afirmação, às quais o traço graficamente realista de Boucq transforma em narrativas intensas. A edição é magnifica. Little Tulip é uma das leituras do ano!
 


12 outubro, 2022

Leituras: UNDERTAKER, vols. 3 e 4

Já algum tempo que não escrevia aqui sobre as minhas leituras. Mea culpa porque não me tem faltado excelentes oportunidades. Mas é aproveitando esse balanço, com a leitura de UNDERTAKER que senti-me tentado a regressar a este exercício de critica. E nada melhor do que retomar com um dos géneros que mais aprecio. É indiscutível que se trata de um dos westerns do momento na banda desenhada franco-belga. A inusitada história de um cangalheiro itinerante, Jonas Crow, através de um oeste pós-guerra civil americana é o ponto de partida para histórias de ganância, vingança e claro, mortos.

Em França,  a colecção já conta com seis álbuns editados, por cá, a Ala dos Livros, acabou de lançar o quarto tomo. A série funciona por dípticos, ou seja, a cada dois volumes temos uma história completa. E se os dois primeiros volumes, tendo a ganância como pano de fundo, marcaram um padrão alto, estes terceiro e quarto volumes, O Monstro de Sutter Camp e A Sombra de Hipócrates (ver notas de lançamento aqui e aqui), sob a égide da vingança, elevaram a fasquia.

É verdade que temos aqui uma história clássica de perseguição no velho oeste, e como em qualquer boa perseguição, a narrativa não apresenta tempos mortos. Os desenvolvimentos são rápidos e a leitura é ávida, e ao leitor vai sendo servida pausadamente, e em doses generosas, aspectos da terrível e hipnotizante personalidade do Monstro, personagem que dá o título ao terceiro álbum. É ele que centraliza todas as nossas atenções nesta aventura.

Jeronimus Quint, um antigo médico do exército, bem-falante, que por fora se apresenta como um vendedor de elixires, com conhecimentos, muito acima da média, sobre anatomia humana, no seu interior revela-se maquiavélico e sádico, que tem na inteligência e na capacidade de manipulação as suas melhores armas. Um lobo que veste a pele de cordeiro, é a figura que emerge do passado sombrio e até agora pouco conhecido de Jonas, e que revela contas antigas por acertar. Mostra-se um adversário à altura e um perfeito vilão. Mas a verdade é que as mesmas necessidades que impediram Jonas do tal ajuste no passado revelam-se de igual forma no presente. E a eterna questão sobre o “mal necessário” coloca-se: mata-se um homem que tem o poder de salvar vidas?

A resposta é depende. Depende do valor que se dá a cada vida humana, mas da mesa forma que Quint se lixa para o juramento de Hipócrates, também Jonas Crow não hesita agora nas escolhas ou sacrifícios que tem de fazer. Confesso que esperava que o confronto final entre os principais protagonistas da história fosse mais intenso, mas o resultado também não desiludiu.

Tem uma certa ironia ser a figura de um cangalheiro a mostrar que o western em banda desenhada está aqui bem vivo e recomenda-se! 

Todo o argumento escrito por Xavier Dorison é bem estruturado, dotado de personagens fortes e vibrantes que facilmente nos cativa e puxa pelo leitor. O traço de Ralph Meyer detalhado e expressivo é irrepreensível, mas isso já nós sabíamos. A edição dos álbuns no generoso formato franco-belga de 24 por 31 em capa dura é primorosa, como aliás é apanágio da editora.

Avaliação:


 


03 janeiro, 2022

As Melhores Leituras de 2021

Terminadas as festa e findo o ano, é tempo de balancearmos! E nada melhor do que começar pelos melhores. Posso, em termos de leituras, afirmar que o ano transacto foi rico e de muita qualidade. De tal forma que confesso, que tive alguma dificuldade na selecção dos melhores álbuns que li, entre os lançados/editados durante 2021. E à semelhança do que já tinha feito no ano passado, inspirado pela hashtag #topnine apenas elejo nove obras. A ideia é mesmo destacar as melhores, dentro das melhores. Todas estas merecem a minha nota máxima. Escolhi aquelas que me trouxeram um enorme prazer na sua leitura, em função da temática, da história, do desenho, da edição. Como não podia deixar de ser a BD de origem franco-belga domina quase na totalidade, mas curiosamente não há um western, uma das minhas temáticas de eleição, representado neste top. Mas não foi por falta de oferta de bons álbuns, apenas houve outros que se sobrepuseram. Assim, sem qualquer critério na disposição ou arrumação, deixo aqui o quadrado perfeito das minhas Melhores Leituras de 2021:
 

Breve critica das minhas melhores leituras:

  • Drácula, da editora A Seita
George Bess não é um perfeito desconhecido do leitor português, mas tem aqui na adaptação do conto Drácula de Bram Stoker, um dos seus melhores trabalhos publicados por cá. Num clássico registo a preto-e-branco, Bess subverte a tradicional arrumação de vinhetas, para nos conduzir com mestria, através de espaços gráficos, quadros desconstruídos, numa narrativa que se mantém fiel ao original, aqui ilustrada num traço vitoriano elegante, e generoso em detalhes, que facilmente nos cativa. Depois ter visto a fantástica exposição de originais no festival Amadora BD, as páginas deste Drácula ganharam um novo encantamento. 
 

 
 
 
 
  • Long John Silver, da editora ASA
O que dizer de um dos meus pedidos (entre outros) para 2021? Um bom conto de piratas sempre povoou o imaginário popular, e Xavier Dorison e Mathieu Lauffray preenchem esse espaço com esta excelente história, construída em torno de uma das personagens mais enigmáticas do clássico «A Ilha do Tesouro». A narrativa assinada por Dorison leva-nos numa improvável caça ao tesouro, onde a cobiça e a traição deixam o desenvolvimento de Long John Silver num rumo imprevisível. A arte de Laufray dá-lhe substância, num registo gráfico irrepreensível, de puro deleite visual. A história distribuida o longo de quatro álbuns é, sem dúvida, uma das colecções do ano, até porque há muito que se justificava esta edição por cá.






  • O Burlão nas Índias, da editora Ala dos Livros
Desde do título até à ultima das suas 160 páginas, somos deliciosamente  levados ao engano com este álbum. As "Índias" do título são na realidade as Américas. Mais concretamente, o cenário é o Peru conquistada por Pizarro. É neste Novo Mundo que seguimos a história de  Dom Pablos de Segóvia, um aventureiro, um vagabundo exemplar, o burlão do título, a quem a sorte protege, na sua viagem em busca pelo mítico El Dorado. A narrativa é toda ela surpreendente e inesperada, com a traição e a sobrevivência entrelaçadas, trazendo-nos uma história dentro de cada história. Guarnido é um mestre do desenho, já o sabemos, mas aqui atinge o pináculo. Uma arte expressiva nas personagens, com um traço rico em pormenores e exuberante nas paisagens, a quem as cores dão uma dimensão absolutamente extraordinária, que deslumbra a cada virar de página. O Burlão nas Índias é uma edição SOBERBA a todos os níveis.
 
 

 
 
 
  • Lena, da editora Arte de Autor
Foi surpreendente esta edição de Lena, uma trilogia reunida numa único álbum. Assinada por Pierre Christin e André Juillard, traz-nos uma temática pouco habitual em banda desenhada, a espionagem. Colocando-se no cenário dos bastidores do terrorismo  internacional, explora as diferentes motivações, de cada lado, num trabalho de ficção politica que provavelmente não andará muito longe da verdade. Aqui, em cada uma das histórias, todo o enredo desenvolve-se muito lentamente, e os "serviços" da personagem central, uma mulher com as suas motivações e dúvidas, vai-nos cativando com expectativa no desenrolar dos acontecimentos, de tal forma que sentimos que entramos num dos livros assinados pelo escritor John Le Carré. Juillard tem aqui mais um belo trabalho no clássico traço realista de linha clara.
 

 



  • O Último Espadão, da editora ASA
Posso dizer que foi um dos melhores B&M que li nos últimos anos, e daí o merecido lugar nesta minha selecção. Van Hamme confirma-se como um dos grandes contadores de histórias, e faz aqui (mais) um belíssimo trabalho. Partindo de O Segredo do Espadão, de Jacobs, onde foi buscar todas as referências para esta aventura, cria neste O Último Espadão uma "continuação" muito bem conseguida, plena de acção, onde até há palco para brilharem personagens secundárias que se encontravam esquecidas. No desenho, nada a apontar, Teun Berserik e Peter Van Dongen, cumprem com rigor a linha jacobiana. Missão cumprida!
 

 



  • O Relatório de Brodeck, da editora Ala dos Livros
Preparem-se para uma viagem gráfica ao pior da natureza humana! A fama deste livro já procedia a sua edição, e justifica-se plenamente. A história crua e triste sobre o mal dos Homens. O ambiente transporta-nos para uma aldeia isolada, num pós-guerra com feridas por sarar, onde depois de um crime sem castigo, reina a desconfiança e o medo. O instinto de sobrevivência faz despertar as piores características do homem, e o autor Manu Larcenet ilustra-o n'O Relatório de Brodeck de forma brilhante. Num traço propositadamente rude e pouco dado a detalhes, trabalhando magnificamente sobre um jogo de sombras, submerge o leitor numa atmosfera pesada, enquanto assistimos no silêncio das páginas à banalização do mal, ao mais cobarde dos crimes. Não saímos indiferentes desta leitura! Numa edição toda ela pensada até ao pormenor, onde não falta uma marcador, a obre apresenta-se servida em versão integral, e num formato italiano, o que convém para um livro com mais de 300 páginas e 1,7kg de culpa peso.
 

 
 
 
 
  • O Corvo V - Inimigos Íntimos, da editora Ala dos Livros
É o único representante nacional nesta minha selecção. Sem qualquer desprimor pelos restantes bons e interessantes autores portugueses publicados, a verdade é que o Louro encontra-se actualmente num patamar superior. Está numa das suas melhores fases da carreira como autor e isso reflecte-se nos seus álbuns, onde assina o argumento e o desenho. Este quinto álbum d' O Corvo é um reflexo disso. Em Inimigos Íntimos, Louro começa a dar substância a todo este universo, e desta vez vamos até à infância do nosso herói para perceber (tentar) saber a origem da sua crise existencial. Sim, os heróis (os super) também sofrem disso. O resultado é, mais uma vez, uma brutalidade de luz e cor e... humor!
 

 



  • Apesar de Tudo, da editora Arte de Autor
Para quem conhecia Jordi Lafebre apenas pelo seu trabalho de desenhador em Verões Felizes (com o argumento de Zidrou), este Apesar de Tudo, onde se assume como autor completo, constitui uma das mais belas surpresas de 2021. Lafebre assina aqui a história de amor do ano. Contada de uma forma simples, e inteligente, com tempo, ao longo de 20 capítulos. Aliás, intencionalmente começamos a leitura do álbum justamente pelo último capitulo (ou será o primeiro?). E tudo funciona numa perfeita harmonia, a liberdade de Zeno e a responsabilidade de Ana, os encontros e desencontros, os diálogos e os ambientes, os desenhos e as cores. Acabamos a sua leitura de coração cheio, com a certeza que apesar de tudo, haverá sempre tempo. E este álbum, é para se ler duas vezes!






  • Blacksad 6 - Então, tudo cai (primeira parte), da editora Ala dos Livros
O que se pode dizer sobre o regresso de uma das mais conhecidas (e de sucesso) série antropomórfica do universo da banda desenhada? Neste sexto volume de Blacksad, o cenário transporta-nos agora para uma Nova Iorque, dos anos 50, numa América em pleno crescimento económico, o palco fértil para que esteja instalada uma sede de poder insaciável, ambições desmesuradas e claro muita corrupção. Juan Díaz Canalès explora bem todo este cenário, servindo-se uma vez mais de uma galeria rica de personagens, que criam as condições numa narrativa, que decompõe por camadas sociais todos os diversos interesses em jogo. Sobre a arte de Guarnido, repito-me "um desenho expressivo, com um traço rico em pormenores, a quem as cores dão um dimensão absolutamente extraordinária". Bem sei que se trata só da primeira parte da história, mas tudo já se revela bastante promissor, e já aguardo com expectativa pelo seu desenlace. 




Bom Ano Novo e que traga boas leituras! 

Nos próximos dias, conto trazer aqui o Balaço e a listagem de todos os lançamentos de 2021!

13 novembro, 2021

Leituras: O Fogo Sagrado, de Derradé

No rescaldo do Amadora BD, e dos muitos lançamentos e novidades que aconteceram, resolvi retomar aqui as minhas leituras. A ideia passa por ir escrevendo curtos textos sobre os vários livros que vou lendo, e posteriormente dar aqui a minha nota sobre a obra.
 
E o primeiro livro da pilha de leitura foi este Fogo Sagrado assinado pelo Derráde, numa edição da Escorpião Azul. Sei que não é bonito rimo-nos do mal dos outros, mas por outro lado não é esse o objectivo final de um livro de humor? E a verdade é que não há como evitar. A culpa é do Dário, obviamente. Traz-nos aqui um retrato humorístico de uma vida real, sobre a tentativa de um autor de banda desenhada em ser bem sucedido com a sua arte, mas aqui sem o tradicional final feliz. A banda desenhada de cariz humorístico é mal-amada por cá. Gosta-se mas não muito! Mas o Derradé não desiste. A prova está aqui, mais uma vez, com toda a sua "fúria" bedéfila. E quem diz que não há segundas oportunidades?
 
O desenho é simples mas eficaz nas expressões, nas situações, e na leitura fluída a verdade é que sentimos empatia com a personagem na sua demanda por “um lugar ao sol”. É o ênfase humorístico aplicado nas diversas angustias, nos vários episódios que nos delicia. Eram os Monty Phyton cantavam “Give the audience a grin, Enjoy it, it's your last chance anyhow”. Ainda que autor nas horas vagas, Derradé é dos grandes contadores de histórias salpicadas de humor, e é isso que faz (mais uma vez). Num livro sem grandes pretensões, mas que se lê bem, o objectivo de fazer rir está lá, ainda que à custa da desgraça alheia! Always look on the bright side of life.
 
 
Avaliação:
 


 
 
 

30 dezembro, 2020

As Melhores Leituras de 2020

O caminhar rapidamente para o fim de mais um ano, é sempre um bom pretexto para se fazer balanços, escolhas, listas. Apesar do malfadado 2020 não deixar grande saudades, a verdade é que em termos de lançamentos e novidades por cá, nós leitores de banda desenhada, não temos muito capital de queixa. É verdade que poderia ter sido excelente ano mas a pandemia não deixou acontecer. Mas também não é menos verdade que houve muita qualidade. E por causa disso não foi uma escolha fácil. Escolhi aquelas edições que deram um genuíno prazer de leitura desde da primeira até à ultima página. E como achei redutor destacar aqui apenas três ou cinco títulos como excelentes e recomendadas leituras, roubo o quadrado perfeito do #topnine do Instagram, para as minhas nove escolhas nas «Melhores Leituras de 2020» em banda desenhada publicada em Portugal. Assim, sem qualquer critério na disposição no quadrado, as minhas recomendações arrumam-se assim:
 
 


De cima para baixo, da esquerda para a direita, são estes os títulos e editoras: 

Os votos de Boas leituras!

13 setembro, 2020

Leituras: Balada para Sophie

Dos mesmos autores da trilogia «Dog Mendonça e Pizzaboy», estava anunciado como um dos lançamentos deste ano. E não desiludiu. Em «Balada para Sophie» (Tinta-da-China) descobrimos uma pérola. Daquelas raras na banda desenhada portuguesa. Há livros que nos entranham. Cativam pela profundidade da narrativa, geram empatia pelo inesperado do desenrolar dos acontecimentos. Esta é uma dessas histórias.

Servida numa edição cuidada, num papel de boa gramagem, agradável ao tacto, que faz respeitar o desenho, o Filipe assume o controlo e conduz-nos, com o mesmo virtuosismo de um grande maestro perante a sua orquestra. Assim, ao longo de mais de 300 páginas, transporta-nos numa viagem única e singela, pela vida amargurada de um pianista, de seu nome Julien Dubois, a quem faltou o toque da genialidade. São as recordações dos momentos, desde do seu nascimento em berço de ouro, passando pela solidão nas ruas de Sainte-Claire até à loucura dos palcos de Las Vegas, profundamente humanos, de paixão e desilusão, de obsessão e ciume, de vingança e arrependimento e finalmente de redenção, que nos tocam. É desta matéria que são feitas as grandes histórias. Ficamos extasiados quando chegamos à página final. O Filipe Melo acabou de escrever uma obra-prima. Na arte, o Juan cativa-nos com o seu traço, simples e expressivo. Materializa no desenho os sentimentos, o encantamento. Acrescenta-lhe uma palete de cores que nos transporta entre os vários ambientes. Absorvemos tudo. Ao seu tempo, no seu ritmo, como se de uma melodia se tratasse ditada por uma partitura musical. Somos embalados pelo lado gráfico. Às palavras o Juan Cavia deu-lhes corpo.

Nesta harmonia, há muito que estes dois autores funcionam bem como um todo. Para nós, os leitores, fica-nos reservado o papel mais fácil desta história, o de deixarmo-nos ir encantados pelo ritmo desta «Balada». Dos melhores livros portugueses que li!

BALADA PARA SOPHIE
Argumento de Filipe Melo e desenho de Juan Cavia
Editora TINTA-DA-CHINA, Edição de Setembro de 2020



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O livro que esgotou na Feira do Livro de Lisboa, tem hoje o seu lançamento oficial e chegará às livrarias no próximo dia 18.