07 janeiro, 2025

O Estado da Arte em 2024

 

Análise do Mercado Editorial Nacional de BD em 2024

Introdução 

O mercado nacional de banda desenhada (BD), desde sempre considerado de nicho, tem apresentado, nos últimos anos, taxas de crescimento bastante significativas, quer pela crescente popularidade de manga entre os novos leitores, quer pela proliferação de romances gráficos que abrangem desde clássicos internacionais até criações originais de autores nacionais. Tal envolvido um número crescente de editoras, que veem na BD um interessante segmento capaz de diversificar a oferta do seu catálogo e atrair novos públicos. A BD continua assim a conquistar um espaço significativo na cultura literária.

O presente contributo pretende dar uma visão do mercado editorial nacional em 2024, destacando as maiores editoras, os géneros mais populares, observando a evolução dos números e as principais tendências do mercado. É importante ressalvar desde já ressalvar que uma análise mais precisa exigiria dados específicos, mas não existe, ou não está disponível, informação compilada e consistente acerca das tiragens, das vendas e consequente quotas de mercado das nossas editoras. Esperamos pelo dia que estes números sejam conhecidos no nosso país.

Por conseguinte, a análise far-se-á com recurso a informação complementar que foi possível recolher e tratar, conseguindo-se assim o suficiente para aferir sobre o Estado da Arte em Portugal.

Centrando-se esta análise no mercado editorial português, e tendo como foco a edição de BD em Portugal por parte de editoras nacionais, as publicações independentes de autores e as revistas amadoras distribuídas em mercados alternativos (fanzines) não foram aqui consideradas por serem de difícil inventariação, bem como as simples reimpressões, as edições estrangeiras ou em língua estrangeira ainda que com distribuição em Portugal. Ficaram igualmente de fora desta análise, todas as publicações relacionadas com a banda desenhada, e aqui inclui-se estudos, ensaios, entrevistas, enciclopédias, etc.

Fazendo um enquadramento, o segmento da BD faz parte de um mercado livreiro maior, que em Portugal, a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), relativamente a 2023, avaliava em 187 milhões de euros. A BD será responsável por uma parcela modesta deste montante. Em mercados europeus estima-se que as vendas se situem entre 5% a 10% do total do mercado editorial, dependendo do país e da popularidade da BD. Em Portugal, atendendo à reduzida dimensão do nosso mercado, será seguro dizer que uma percentagem conservadora apontará para um valor não superior a 5%. 

Visão geral do mercado português de BD em 2024

Em 2024, o mercado editorial nacional de banda desenhada consolidou-se como um segmento dinâmico e diversificado, refletindo o crescente interesse por esta arte em Portugal. Na verdade, atravessamos um novo período dourado, e isso encontra-se reflectido nos números aqui apresentados, de nº de editoras/chancelas, de novos lançamentos e de procura por informação relacionada. Este bom momento também se estende à BD portuguesa, que apresentou níveis de produção como não se via há alguns anos.

Os Lançamentos

Em 2024, foi registado o melhor resultado de sempre em termos de nº de novos lançamentos de livros de BD, no formato físico, em Portugal. Foram contabilizadas 380 novidades, na contagem pelo ISBN (a listagem completa está disponível AQUI), o que se traduz numa taxa de crescimento de 8% face a 2023, período no qual já se tinha verificado um excelente resultado. Observa-se que se trata do terceiro ano consecutivo de crescimento da oferta de banda desenhada no nosso mercado. 

Numa tentativa de segmentação, pode-se dizer que por origem, o peso da banda desenhada estrangeira continua dominante no mercado português. Mantêm-se a influência do mercado francófono, mas acompanhado agora pelo mercado asiático, que tem revelado crescentes taxas de crescimento.

Assim, com uma taxa de 44%, o mercado europeu de banda desenhada mantém-se assim como o principal fornecedor de histórias para as nossas editoras. A este valor soma-se ainda 16% referentes à edição de obras portuguesas, que teve em 2024 um dos seus melhores anos, com um total de 59 novos lançamentos. Depois da queda verificada no ano passado, temos agora a recuperação. Contam-se mais de duas dezenas de editoras nacionais a apostar na BD portuguesa, e este ano com destaque para a Levoir com a sua colecção Clássicos da Literatura Portuguesa em Banda Desenhada. Sem surpresas, na segunda posição, encontramos o mercado asiático, o qual já é responsável por 29% da oferta. Incluem-se aqui as histórias oriundas do Japão, China, Coreia. Em queda livre, está o mercado norte-americano que garante apenas 10% da oferta. O fim da colecção Clássica Marvel da Atlântico Press e a desistência da Levoir do selo editorial da DC Comics são a causa responsável. 

No ano de 2024, destaca-se a consolidação de algumas tendências no mercado de BD nacional.

Entre elas, observa-se a enorme popularização do mangá, o que levou sete das dez maiores chancelas editoriais a apostarem neste género. Outra tendência relevante foi o aumento na edição de adaptações literárias, especialmente em formato de novela gráfica. 

Paralelamente, verificou-se um número significativo das reedições (9%) e aqui considera-se mais do que uma simples reimpressão, ou seja, uma alteração substancial da obra que tenha originado a atribuição de um novo ISBN.

Adicionalmente, houve um forte incremento na publicação de banda desenhada destinada ao público infanto-juvenil. Um segmento em franco crescimento, que representou cerca de 13% da oferta total do ano, com os grupos Porto Editora e Penguin Livros a serem responsáveis por mais de 50% das novidades lançadas no período.

Relativamente à ordenação de cada título existe uma grande dificuldade de enquadramento devido sobretudo à inexistência de um sistema comummente aceite e à enorme variedade de géneros que se podem encontrar, dependendo então a sua classificação de diferentes critérios e abordagens. Não obstante, verifica-se que as obras de acção/aventura continuam no topo de preferências, seguido das temáticas históricas e das biografias gráficas. Em queda livre encontram-se os westerns e as aventuras de super-heróis.

Em termos de distribuição, a disponibilização dos títulos ao longo do ano apresentou extremos históricos. Embora a média mensal tenha sido de aproximadamente 31,6 novidades, a sua distribuição revelou-se irregular, oscilando entre um mínimo de 4 lançamentos em Dezembro e um pico de 72 novos títulos em Outubro, tradicionalmente o mês mais forte no nosso mercado editorial. De realçar que o último quadrimestre concentrou mesmo assim o maior volume de lançamentos, reforçando a tendência de intensificação das novidades editoriais nesse período do ano. 



Em 2024, o cabaz completo, composto por todos as novidades de BD editadas em Portugal, apresentou um custo total de € 6.605,17, com o preço médio de um livro de BD a fixar-se em € 17,38. Em termos de preço de capa, a edição mais barata que encontramos foi a reedição de A Loja da editora Polvo por € 8,90. No extremo oposto, como a mais cara, tivemos a edição integral de BRZRKR da editora G.Floy, com o preço de € 50,00. Assinala-se que o valor de venda mais praticado foi de € 9,99, correspondente ao preço de referência praticado pela editora Devir nas suas edições de manga.


As Editoras

Em termos de editoras (ou chancelas) de BD activas em Portugal tivemos um novo máximo, que passou as cinco dezenas, totalizando as 52. Contabilizam-se aqui todas aquelas que tenham pelo menos editado, em 2024, uma obra de banda desenhada, com ISBN atribuído. Observa-se que é um número que tem vindo a crescer paulatinamente desde 2020. 

Conforme referido inicialmente não existe informação disponível acerca dos valores de vendas e de tiragens, pelo que aqui a  “quota de mercado” das editoras será definida em função do número de novos lançamentos de cada uma face ao total do mercado.

No topo das editoras nacionais encontramos (de novo) a DEVIR. Se em 2023 já tinha alcançado excelentes números, em 2024 bateu todas as marcas. Em número de novidades, foram contabilizados 64 novos lançamentos, correspondente a 17% da oferta nacional de banda desenhada. É a principal responsável pela enorme oferta de manga que temos actualmente, o que lhe confere pelo quarto ano consecutivo o título da editora mais activa do mercado. E promete não ficar por aqui, porque para 2025 já anunciou o estender o seu catálogo ao franco-belga e a aquisição dos direitos de publicação da americana DC Comics

A segunda posição vai para a ASA. Com 54 lançamentos assume uma quota de 14%. A editora tem estado bastante dinâmica desde a sua reestruturação, e apostou na abertura do seu catálogo de BD a novos leitores, apostando em várias frentes, desde títulos de origem franco-belga, ao pisca de olho ao público adolescente com as colecções de manfras e à edição títulos dedicados a um público infantil. O resultado é um crescimento da sua oferta em 35% face ao registado no ano anterior. 

No terceiro lugar deste pódio está a LEVOIR. Registou um excelente ano com 42 lançamentos o que lhe confere uma quota de 11%. Destaca-se a sua aposta em coleções, com o lançamento da oitava série de novelas gráficas em parceria com o jornal Público e uma colecção dedicada à adaptação de clássicos da literatura portuguesa para BD, com a assinatura de autores nacionais. A aposta falhada nos títulos da DC Comics é agora compensada com um virar de página a oriente. O novo ano deve trazer novidades sobre esta matéria. 

A análise dos dados confirma a manutenção de um mercado concorrencial, com as dez principais chancelas a concentrarem em si cerca de 72% da oferta nacional, um percentual em linha com o observado no ano anterior.

De realçar que entre estas, apenas quatro se encontram exclusivamente dedicadas à edição de banda desenhada. As demais podem-se considerar com um perfil mais generalista, integradas em grupos editoriais, onde a BD é editada em conjunto com outras categorias de livros. Adicionalmente, a restante oferta encontra-se distribuída por um grande número de pequenas e médias editoras/chancelas, cujo catálogo de banda desenhada é reduzido.

Gostava de chamar aqui a atenção para o caso especial que constitui a Penguin Livros, a sucursal portuguesa do grupo internacional Penguin Random House. 

Apresenta um total de 24 chancelas editoriais, cada uma direcionada para um género em particular ou um determinado público-alvo. No entanto observa-se que oito delas (a saber, a Iguana, Distrito Manga, Booksmile, Nuvem de Letras, Cavalo de Ferro, Elsinore, Fábula e Objectiva) editaram, pelo menos, uma obra de banda desenhada em 2024. 

Na listagem acima das maiores editoras, encontramos a Distrito Manga num 7º lugar com um total de 15 lançamentos, que faz desta chancela o principal selo da Penguin na edição de BD em Portugal. Mas considerássemos o total do grupo, verificávamos que o seu somatório totaliza 41 edições de BD, um resultado que conferia à Penguin Livros um 4º lugar na classificação das maiores editoras, com uma oferta de 11%. 

 

Os eventos e festivais de BD

Os apoios públicos, em especial das câmaras municipais, têm-se revelado como pilares fundamentais na organização de eventos que promovem a 9ª arte e estimulam a criação de novos públicos. Como resultado, o panorama nacional de festivais de banda desenhada apresenta-se cada vez mais diversificado, com uma oferta geograficamente complementar que fortalece a presença da BD em vários pontos do país.

Em 2024, realizaram-se dois eventos no norte do país (a 10ª edição da Comic Con e o 2º Maia BD), um no centro (o 8º Coimbra BD), um no Alentejo (18ª edição do Festival Internacional de BD de Beja) e os restantes a sul (a 2ª edição do LouriBD na Lourinhã, a 5ª edição do IlustraBD no Barreiro e 35º Amadora BD). Apesar de não dispor dos números oficiais de visitantes de cada evento, quer-se querer que tenham tido uma boa participação de acordo com as expectativas de cada organização, até porque os apoios mantiveram-se e começaram a ser reveladas as datas das edições de 2025.

Os Canais de Distribuição

O recente estudo da empresa da GfK para a APEL sobre Hábitos de Compra e Leitura de Livros revelou a preferência pelas lojas físicas, em particular as livrarias, como o principal ponto de venda de livros em Portugal. 

No segmento da BD, esta dependência das livrarias físicas torna-se ainda mais evidente quando se observa o quase desaparecimento da presença de banda desenhada noutros canais, nomeadamente as bancas de jornais. Este canal de distribuição restringe-se agora às coleções distribuídas em parceria com jornais. Em 2024, destacaram-se duas colaborações com o jornal Público: a oitava série de Novelas Gráficas da editora Levoir, publicada entre Julho e Novembro, e a coleção Tanguy & Laverdure da editora ASA, disponível entre Agosto e Outubro.

Observa-se, no entanto, novas estratégias de adaptação ao mercado, procurando as editoras novos meios de alcançar um público leitor de banda desenhada, e aqui destacaria uma aposta nas chamadas vendas diretas. Apesar de não se dispor de números de vendas, facilmente se percebe que canais editor-leitor apresentam a enorme vantagem económica de eliminação dos custos de intermediação. 

Assim, a aposta passa por canais próprios. Através das lojas online existentes nos sítios da internet da grande maioria das editoras, mas sobretudo pela presença destas nos principais festivais nacionais de BD. E daí observar-se cada vez mais o coincidir de novos lançamentos com a realização destes eventos, e o melhor exemplo disso é dado pelo festival Amadora BD, que se realiza na segunda quinzena de Outubro, que faz concentrar sempre neste mês o maior número de novidades do ano. 

Os Canais de Divulgação

Em Portugal, os principais canais de divulgação a um público vasto passam essencialmente por blogues e fóruns dedicados na plataforma Facebook. Em 2024, se na blogosfera nacional o número de canais divulgadores não sofreu grande variação, rondando a meia dezena de blogues dedicados, em termos de visitantes a coisa muda de figura.

Tomo aqui o exemplo do blogue NOTAS BEDÉFILASporque disponho dos números – que recebeu ao longo de 2024, mais de 250.000 visitantes (mais concretamente 253.248), uma média superior a 20.000 visitas mensais, o que constitui taxa de crescimento de 15% relativamente a 2023. E esta procura de informação verifica-se igualmente no fórum BANDA DESENHADA PORTUGAL, que passou dos poucos mais de 6.000 membros em finais de 2023 para os quase 9.400 membros em finais de 2024. Uma taxa de adesão superior a 50%. Não se pode disassociar este crescente interesse na procura de informação relacionada com o excelente momento que a BD atravessa em Portugal, e que se observa em todas suas várias vertentes.

O Dia Nacional da BD Portuguesa

O ano de 2024 ficará marcado pela oficialização do dia 18 de outubro como o Dia Nacional da Banda Desenhada Portuguesa. A proposta apresentada pelo partido parlamentar Livre e aprovada pela Assembleia da República, não está associada a qualquer efeméride significativa relacionada com a banda desenhada, resultando sim de um processo unilateral, sem consulta ou discussão prévia com a comunidade bedéfila. Embora a iniciativa merecesse maior cuidado e envolvimento, este dia, ainda que imperfeito, passa a integrar o calendário cultural nacional.

Conclusão

A avaliar por 2024, a banda desenhada em Portugal atravessa um momento notável de vitalidade e crescimento. O nosso mercado editorial tem demonstrado resiliência e capacidade de adaptação, com uma oferta cada vez mais diversificada que atende a um público amplo e variado. Os números extraordinários deste ano, em todas as suas vertentes, revelam que a oferta tem conseguido atrair novos leitores, e fomentar um interesse renovado, impulsionando assim o aumento de chancelas editoriais e consequentemente o número de novos lançamentos. Embora não sejam conhecidos dados concretos de vendas, a aposta continuada das nossas editoras é sempre um bom indicador que o mercado está bem, é promissor e que se recomenda.

Para 2025, o cenário é de certa forma imprevisível. O volume de edições cresceu significativamente nos últimos três anos (+23%), e os números de 2024 devem marcar o limite que o nosso mercado deve comportar. Estabilizar talvez seja necessário ou aposta passar agora por mais qualidade e menos quantidade. Daqui a um ano nova avaliação. Até lá, que não nos faltem boas leituras! 

 

PS A quem possa interessar disponibilizo este estudo em formato pdf. Acesso aqui.

 

1 comentário:

Antonio disse...

Viva Nuno e Bom Ano. Mais uma vez "brinda-nos" com uma quase exaustiva análise de mercado de BD nacional, julgo que única em Portugal. Na minha perspectiva continuam a ser recorrentes as tendências relativas ás opções editoriais que, como já afirmei aqui por diversas vezes, tendem a ser demasiadamente conservadoras. Mais edições não equivalem necessariamente a melhores edições e, embora reconheça que, no geral, a qualidade é mediana/superior, a imagem que perpassa é de uma "falsa" diversidade. Existem géneros que continuam a estar muito mal representados ou, praticamente, ausentes. Falo por exemplo da ficção científica (apenas identifiquei 2 títulos), fantasia, fantástico, espada e feitiçaria, música, didáticos (científicos, divulgação e outros), humor, etc. Muitos autores contemporâneos importantes continuam a passar ao lado dos nossos editores enquanto outros "ovnis" caiem-nos no colo sem entendermos como e porquê. Continua, julgo eu a haver espaço para novos editores e novas propostas que fujam ao espartilhado universo que nos é servido localmente. Aparecerão? Continua ainda a faltar uma plataforma comum para a promoção e divulgação da arte e que dê visibilidade á mesma - basta ver como os nossos orgãos de comunicação ignoram sistematicamente a BD e iniciativas relacionadas. Por último julgo ser essencial que as editoras promovam iniciativas (com o apoio de entidades estatais e privadas) junto do público mais jovem (escolas, universidades, institutos,etc..) fora do circuito normal da BD e apostem sobretudo na internacionalização. É necessário criar leitores para o futuro e, claro, autores.