15 novembro, 2012

23º Amadora BD – Notas Finais

São notas finais, o que poderia pressupor que teriam existido notas intermédias. Não houve. Por preguiça, por falta de tempo. Assim, aproveito e transmito agora algumas impressões que retive da edição 23º do Amadora BD, que terminou no Domingo passado.


A edição deste ano seguiu uma tendência herdada da edição anterior. Com menos orçamento, fez-se mais festival. E começo logo pelas exposições. Já se sabe, tem um selo de qualidade. Aprecio a condição de testemunhas privilegiados que somos na qualidade de visitantes.

Entre todas, houve uma que realmente me encheu as medidas. Confesso que sempre gostei do aracnídeo. E os 50 anos do mito Homem-Aranha tiveram no Amadora BD uma comemoração à altura. Num ambiente verdadeiramente vibrante, onde numa ala uma série de painéis destacava as principais fases deste super-heroi, noutra ala, autores como John Romita Sr., John Romita Jr., Sal Buscema, Mike Deodato, entre outros, estiveram magnificamente bem representados com pranchas originais. E um vidro e uma verdadeira aranha quiça radioactiva separavam os visitantes do exemplar de uma das revistas mais famosas e valiosas do mundo: a Amazing Fantasy # 15 que conta com a primeira aventura do Homem-Aranha. Não se podia esperar melhor.


Noutro cenário, mas igualmente bem conseguido, destaco igualmente a exposição Eternus 9 de Vitor Mesquita. Uma sala cenograficamente perfeita fazia sobressair os (literalmente) grandes e magníficos desenhos originais, que transportavam os visitantes numa viagem fortemente visual pelo universo fantástico e futurista deste autor nacional.


E se tivesse que destacar apenas três exposições, o terceiro lugar ia para a mostra dedicada à Agência de Viagens Lemming de José Carlos Fernandes (JCF). Aqui move-me o gosto pessoal. A exposição exibia um conjunto de pranchas originais da história publicada nas páginas do Diário de Noticias durante a silly season do ano de 2005. Considero a "Agência de Viagens" como obra-prima de JCF onde o seu humor “nonsense” atinge o seu esplendor máximo. Quanto lamento nunca ter sido objecto de edição em álbum em Portugal.


Mas claro, que a qualidade abundava noutras salas de exposição. E aqui poderia igualmente destacar as dedicadas a Paulo Monteiro, num ambiente quase caseiro e intimista, integrada na exposição central; ao livro Infante Portugal, onde o enorme talento de Daniel Maia sobressaia; à happy e bem conseguida mostra do talento de Zep; a relativa aos álbuns Portugal e Três Sombras, de Cyril Pedrosa . A exposição central, intitulada A Autobiografia – Os Vários Rostos do Eu, qualifico-a como mais interessante do que entusiasmante. Logo à partida, menos originais expostos do que poderíamos esperar. E as principais opções de exposição seguiram quase estritamente no sentido de apresentar trabalhos onde sobressaia uma visão demasiado singular do “eu” nos vários caminhos que o género seguiu, por oposição ao destaque que poderia ter sido dado a algumas obras com quem os visitantes se poderiam mais facilmente identificar, até pelo facto de se encontrarem editadas em Portugal, e aqui lembro-me sobretudo de Blankets ou de Fun Home. Por outro lado, meritória no destaque a autores portugueses, cujos trabalhos configuram registos marcadamente autobiográficos, como Paulo Monteiro, Ricardo Cabral e Marco Mendes.


Outras da vertente apelativa do festival são os autores e as sessões de autógrafos. O leque de autores estrangeiros presentes este ano revelou-se muito bom. É sempre uma caixinha de surpresas, porque aqui o festival assumidamente não segue uma linha comercial. Por vezes agradeço que assim aconteça. Claro que nomes como Cyril Pedrosa, Mike Deodato e Zep eram apostas ganhas este ano e obviamente não desiludiram. Mike Deodato é um autor super. Extremamente acessível, desenhou o que lhe pediram e onde lhe pediram, inclusive em A3 com o talento que se lhe reconhece. Zep foi extraordinário. Uma sumidade em França por ser um dos autores que mais vende no mercado franco-belga. Junta talento, sentido de humor, simplicidade e disponibilidade num só. É sabido que os autores franco-belgas têm pejo em fazer desenhos em folhas em branco. Pois bem, Zep desenhou em tudo o que lhe puseram à frente, fosse em álbuns ou folhas brancas (se bem que os desenhos em folhas brancas parece que ainda incomodam algumas pessoas por cá). Aprecio a liberdade que o festival dá na zona de autógrafos. Sem quaisquer condicionalismos, acaba por tornar-se um ponto de encontro de amigos e conhecidos e palco das muitas conversas que se fazem no Amadora BD. São horas bem passadas e que são recompensadas!

Os autores portugueses aproveitam sempre muito bem a montra do Amadora BD. Alguns lançamentos e uma grande presença no festival. Basta uma vista de olhos nas sessões de autógrafos e facilmente se percebe que não é pela falta de bons desenhadores portugueses que não se publicam banda desenhadas de qualidade em Portugal. Todos os anos surge sempre mais um que nos chama a atenção. Nesta edição conheci o André Araújo, do qual tinha visto uma história publicada na Zona! Nippon e que agora surge como desenhador... da Marvel. Outro nome é que retenho é Ana Oliveira. Não é bem uma autora de banda desenhada, mas anda lá perto, porque os seus cabeçudos em aguarela contam uma história e são qualquer coisa de muito bom.


Quanto ao espaço interior do festival, na qualidade de visitante pessoalmente não mudava nada relativamente à edição do ano passado. E o festival, provavelmente devido à crise, pouco ou nada alterou. Os espaços continua assim amplos e convidativos. E principalmente livre das barreiras arquitectónicas que até alguns atrás pareciam a imagem de marca do Amadora BD.

Em suma, uma edição que correu muito bem. Com uma nota muito positiva. Pelas exposições de elevado nível, pela presença de bons autores. Peca talvez por faltar um pouco mais de público. Mas só perde que não lá vai, porque a oferta é talvez única. Como habitualmente ficam as notas finais:

Notas Positivas:
+ Exposição dedicada aos 50 anos do Homem-Aranha
+ Elevada qualidade da generalidade das exposições, com um grande numero de desenhos originais expostos
+ Bom nº de bons autores presentes, entre estrangeiros e nacionais
+ Divulgação do festival através da respectiva página no facebook

Notas Negativas:
- Mathieu Sapin, talvez algo desenquadrado no festival
- O nº de visitantes que fica aquém daquilo que o festival merece

E para amanha o 23º Amadora BD em imagens!

4 comentários:

Luis Sanches disse...

Olá Nuno,

Concordo com algumas reflexões, outras nem tanto, mas há uma que não entendo. Porquê o desenquadramento do Mathieu Sapin com o festival? Já tinha lido noutro lado a mesma questão e não entendo. Uma das poucas coisas que gostei no festival foi (como tu também apontaste) a diversidade de autores, desde pessoal mais mainstream até pessoal underground. Em que é que Mathieu Sapin difere?

Abraço

Nuno Neves disse...

Olá Luís, a pluralidade de opiniões é sempre bem-vinda aqui. Relativamente ao festival, a diversidade dos autores e géneros é sem dúvida uma das suas mais-valias. E o Mathieu Sapin obviamente que cabe nesta diversidade. No entanto, tendo apenas como referência a bd que serviu de base à sua exposição no festival, não sei se o traço ou o género ou ambos, a verdade é que observei algum distanciamento por parte do público. Das várias vezes que entrei no seu espaço de exposição e a sala encontrava-se quase sempre vazia. Igualmente nas sessões de autógrafos, esteve quase sempre sozinho em virtude de ter sido pouco requisitado. Torna-se quase penoso observar estas situações, que por vezes acontecem no festival. Curiosamente, ele ocupava o seu tempo a desenhar pranchas, possivelmente, de alguma história que está a desenvolver. Foi neste sentido a minha observação. Abraço

Luis Sanches disse...

Sim, realmente não é agradável se o autor não é solicitado na altura dos autógrafos. Ainda mais quando ao lado os seus colegas são bastante solicitados. Talvez fosse algo a considerar para os próximos festivais, se certos autores que não têm grande peso junto do publico português, deveriam ser convidados ou não. Essa situação também poderia ser evitada se se intercalassem os horários dos autógrafos (em termos de estilos dos autores). Se calhar estou a dizer um grande disparate, mas se o Deodato (a titulo de exemplo) estiver a dar autógrafos ao mesmo tempo, o Sapin não vá ter muita atenção.
Duvida esclarecida :) Obrigado.

Nuno Neves disse...

Efectivamente Luís, o festival falha nestas situações, até porque não é a primeira vez que vejo tal acontecer. Verdade seja dita, muitas vezes o feitio e a vontade dos autores também não ajuda muito (não estou a dizer que foi o caso do Sapin). Intercalar as horas era talvez uma solução possível. Abraço