Não são precisas muitas palavras para fazer o balanço de mais uma romaria ao Festival de BD de Beja. Na verdade, o evento já se encontra naquele último patamar de excelência, onde só é possível dizer-se que se gosta e muito. Existe ali uma relação recíproca para quem tem uma paixão pelas histórias aos quadradinhos. E assim se percebe o renovado prazer com que recebemos e somos recebidos naquele ambiente único de encontros, apresentações, exposições, autores e editores que se vive na Casa da Cultura daquela cidade alentejana.
Eu confesso sentir alguma dificuldade em destacar o melhor do festival.
Se são as curtas apresentações e lançamentos, bastante concorridas, que preenchem praticamente o programa. Gosto bastante da dinâmica do modelo. São 15 minutos que não fartam, o quanto baste para suscitar no leitor curiosidade sobre autores e obras;
Se são as exposições concentradas na Casa da Cultura, dispersas por pequenos espaços minimalistas e intimistas, que apresentam uma oferta diversificada, num ambiente quase tudo semelhante ao de um museu. É neste silêncio que respiramos as artes dos autores com que nos cruzamos mais tarde no barulho lá de fora;
Se são as horas e horas de conversas espontâneas, sobre tudo e qualquer assunto, que surgem naturalmente à mesa das esplanadas. A de Sábado à noite acabou às três da manhã, com três(!) garrafas de vinho vazias. Pessoalmente junto ainda a Liga dos Campeões, cuja final coincide sempre com o festival, e que obriga a mesa de cerveja e bifanas na Pastelaria Luiz da Rocha.
Tenho para mim que é o somatório destes vários momentos que fazem Beja valer por um todo.
Na edição deste ano, lamentando as ausências de última hora de Jean-Louis Tripp (o do Armazém Central) e do David Rubin (Beowulf), o festival apresentou (mais uma vez) uma programação cheia e um cartaz de presenças preenchido com mais de 10 diferentes nacionalidades. Brilhou a dupla espanhola Altarriba e Keko (com o lançamento de Eu, Mentiroso), e despertou curiosidade a dupla francesa Afonso e Chico. Estes últimos voltarão a marcar presença em Portugal no próximo Amadora BD, para o lançamento da edição portuguesa de Les Portugais (e aproveitando deixo aqui a inconfidência que o Tripp está de novo convidado para a Amadora, e que vem acompanhado pelo Loisel). Luís Louro e o seu Dante foi igualmente um dos focos de atenção. Na apresentação, o autor elegeu-o como o seu melhor trabalho até à data, e uma edição acompanhada de uma impressão numerada e assinada esgotou na editora em apenas 4 horas!!! E momento em que escrevo estas linhas, o autor já está a trabalhar no novo Corvo VI! Uma palavra para a editora Polvo, que propõe recuperar parte da obra de Artur Correia com a publicação da sua adaptação dos Contos Populares Portugueses. O primeiro volume está na gráfica. Um segundo volume, Nau Catrineta e outras Histórias, já está em produção.
O único apontamento menos positivo que tenho não diz respeito ao evento em si. E a sensação não é de agora. Para uma cidade com cerca de 30.000 habitantes, sinto alguma indiferença da população local relativamente ao festival, que sendo gratuito, não conduz a um grande entusiasmo nem arrasta uma massa humana dos locais a visitar a Casa da Cultura, pelo menos no primeiro fim-de-semana. Para uma pequena cidade do interior, organizar um evento que é só considerado como o melhor a nível nacional e que recebe nomes grandes da BD mundial, é obra feita, pena é que não saibam valorizar o que é feito "em casa". E eu na qualidade de "estrangeiro" não posso deixar de reconhecer (e estar grato) aqueles que com tão pouco conseguem muito e fazem o festival acontecer. Bem-haja ao Paulo Monteiro e à sua equipa! Que venha o Beja BD 2023!
6 comentários:
Ola Nuno, como Bejense , tenho de concordar (infelizmente ) com o ultimo paragrafo .
Mas o problema , não está relacionado somente com este festival,o qual eu estou anualmente presente com os meus filhos( onde tenho incutido o meu amor pela Bd).
O problema é bem mais amplo e complexo, Beja é uma cidade que vai definhando, onde os vários eventos culturais passam ao lado da população.
É difícil de explicar, porque é difícil de entender esse desapego aos varios eventos. O ridículo é que constantemente ouvimos a população a queixar se de que não se passa nada em beja(o que não é verdade). Cabe provavelmente aos Bejenses criarem dinâmicas diferentes para trazer a população a este tipo de evento, pois correndo o risco de ficar muito intimista, corre o risco de se perder algures.
Este ano senti ainda um maior desapego da cidade em relação ao evento(este e outros), tirando a ovibeja que atrai muita gente.
De qualquer forma, o Paulo e a sua maravilhosa equipa continuam a trabalhar para que ela se mantenha como um ponto alto. E é com muito pouco , que fazem de facto acontecer.
Beja teve em tempos um festival(Summerfest) que também era bem mais valorizado la fora do que pelos Bejenses.
Teve também o Beja ModelShow(Modelismo) organizado pelo Simão, que integra a equipa do Paulo, mas que acaba por desaparecer, pelas dificuldades e pouco apoio dado pela comunidade Bejense, onde as visitas eram maioritariamente de fora .
Temos uma biblioteca espantosa , cuja a dinâmica vai sofrendo também alguma(como dizemos na saude mental) sintomatologia negativa. Onde o outro grande evento Bejense vai sofrendo com ela que são as "palavras andarilhas"a cidade dos contos.
Obrigado pelas sua palavras.
Não faço parte da equipa que faz este evento ser o que é.
Mas sou um Bejense atento,preocupado ,mas principalmente aficionado pela BD e seguidor diário do seu Blogue.
Atenciosamente
José Carlos Neves
Festival de BD em Braga é que era
Capital de distrito que nem sequer uma equipa de futebol nos campeonatos profissionais tem, está tudo dito sobre as dinâmicas da terra (é um pouco por todo o Alentejo) (o futebol é só um indicador, e eu até não vou muito em bolas)
Viva José Carlos, agradeço o seu testemunho, ainda mais pela sua qualidade de residente em Beja e atento a esta realidade. Falei aqui da falta de adesão da cidade ao festival, mas o que fez ainda mais confusão, até porque passei duas noites em Beja, foi observar uma cidade despida de pessoas, ainda mais a um fim-de-semana. Comentei depois com o taxista que me transportou até à estação, e ele confirmou esta tendência dos bejenses em ficarem em casa. Falou na existência de praias fluviais nos arredores o que poderia justificar parte deste vazio. Mas a questão principal aqui é tentar perceber o porquê do desapego pelos eventos culturais da cidade? Até porque pela descrição que me faz, existem e até são variados. Desconhecendo quais os canais de comunicação da autarquia com a população, pergunto se está instalada a ideia de que estes eventos se destinam a um público exclusivo? Ou será falta de melhor publicidade e promoção dos mesmos?
Abraço
Ricardo, e o Norte bem precisava de um festival de BD.
Unknow, se vamos pelo futebol e observarmos o mapa desportivo, verificamos que praticamente o litoral concentra a totalidade das equipas de futebol profissional, com predominância da grande Lisboa e grande Porto. E as assimetrias entre o interior e o litoral do país são gritantes, e não só a nível desportivo, daí também a importância da realização de eventos como o festival de Beja, realizado numa pequena cidade do interior. Abraço
Enviar um comentário