02 junho, 2022

É um caso sério o Festival de BD de Beja!

Não são precisas muitas palavras para fazer o balanço de mais uma romaria ao Festival de BD de Beja. Na verdade, o evento já se encontra naquele último patamar de excelência, onde só é possível dizer-se que se gosta e muito. Existe ali uma relação recíproca para quem tem uma paixão pelas histórias aos quadradinhos. E assim se percebe o renovado prazer com que recebemos e somos recebidos naquele ambiente único de encontros, apresentações, exposições, autores e editores que se vive na Casa da Cultura daquela cidade alentejana.
 
 
Eu confesso sentir alguma dificuldade em destacar o melhor do festival.
 
Se são as curtas apresentações e lançamentos, bastante concorridas, que preenchem praticamente o programa. Gosto bastante da dinâmica do modelo. São 15 minutos que não fartam, o quanto baste para suscitar no leitor curiosidade sobre autores e obras;
Se são as exposições concentradas na Casa da Cultura, dispersas por pequenos espaços minimalistas e intimistas,  que apresentam uma oferta diversificada, num ambiente quase tudo semelhante ao de um museu. É neste silêncio que respiramos as artes dos autores com que nos cruzamos mais tarde no barulho lá de fora;
Se são as horas e horas de conversas espontâneas, sobre tudo e qualquer assunto, que surgem naturalmente à mesa das esplanadas. A de Sábado à noite acabou às três da manhã, com três(!) garrafas de vinho vazias. Pessoalmente junto ainda a Liga dos Campeões, cuja final coincide sempre com o festival, e que obriga a mesa de cerveja e bifanas na Pastelaria Luiz da Rocha.
 
Tenho para mim que é o somatório destes vários momentos que fazem Beja valer por um todo.
 
 
Na edição deste ano, lamentando as ausências de última hora de Jean-Louis Tripp (o do Armazém Central) e do David Rubin (Beowulf), o festival apresentou (mais uma vez) uma programação cheia e um cartaz de presenças preenchido com mais de 10 diferentes nacionalidades. Brilhou a dupla espanhola Altarriba e Keko (com o lançamento de Eu, Mentiroso), e despertou curiosidade a dupla francesa Afonso e Chico. Estes últimos voltarão a marcar presença em Portugal no próximo Amadora BD, para o lançamento da edição portuguesa de Les Portugais (e aproveitando deixo aqui a inconfidência que o Tripp está de novo convidado para a Amadora, e que vem acompanhado pelo Loisel). Luís Louro e o seu Dante foi igualmente um dos focos de atenção. Na apresentação, o autor elegeu-o como o seu melhor trabalho até à data, e uma edição acompanhada de uma impressão numerada e assinada esgotou na editora em apenas 4 horas!!! E momento em que escrevo estas linhas, o autor já está a trabalhar no novo Corvo VI! Uma palavra para a editora Polvo, que propõe recuperar parte da obra de Artur Correia com a publicação da sua adaptação dos Contos Populares Portugueses. O primeiro volume está na gráfica. Um segundo volume, Nau Catrineta e outras Histórias, já está em produção.
 
O único apontamento menos positivo que tenho não diz respeito ao evento em si. E a sensação não é de agora. Para uma cidade com cerca de 30.000 habitantes, sinto alguma indiferença da população local relativamente ao festival, que sendo gratuito, não conduz a um grande entusiasmo nem arrasta uma massa humana dos locais a visitar a Casa da Cultura, pelo menos no primeiro fim-de-semana. Para uma pequena cidade do interior, organizar um evento que é só considerado como o melhor a nível nacional e que recebe nomes grandes da BD mundial, é obra feita, pena é que não saibam valorizar o que é feito "em casa". E eu na qualidade de "estrangeiro" não posso deixar de reconhecer (e estar grato) aqueles que com tão pouco conseguem muito e fazem o festival acontecer. Bem-haja ao Paulo Monteiro e à sua equipa! Que venha o Beja BD 2023!
 

6 comentários:

Jose Carlos Neves disse...

Ola Nuno, como Bejense , tenho de concordar (infelizmente ) com o ultimo paragrafo .
Mas o problema , não está relacionado somente com este festival,o qual eu estou anualmente presente com os meus filhos( onde tenho incutido o meu amor pela Bd).
O problema é bem mais amplo e complexo, Beja é uma cidade que vai definhando, onde os vários eventos culturais passam ao lado da população.
É difícil de explicar, porque é difícil de entender esse desapego aos varios eventos. O ridículo é que constantemente ouvimos a população a queixar se de que não se passa nada em beja(o que não é verdade). Cabe provavelmente aos Bejenses criarem dinâmicas diferentes para trazer a população a este tipo de evento, pois correndo o risco de ficar muito intimista, corre o risco de se perder algures.
Este ano senti ainda um maior desapego da cidade em relação ao evento(este e outros), tirando a ovibeja que atrai muita gente.
De qualquer forma, o Paulo e a sua maravilhosa equipa continuam a trabalhar para que ela se mantenha como um ponto alto. E é com muito pouco , que fazem de facto acontecer.
Beja teve em tempos um festival(Summerfest) que também era bem mais valorizado la fora do que pelos Bejenses.
Teve também o Beja ModelShow(Modelismo) organizado pelo Simão, que integra a equipa do Paulo, mas que acaba por desaparecer, pelas dificuldades e pouco apoio dado pela comunidade Bejense, onde as visitas eram maioritariamente de fora .
Temos uma biblioteca espantosa , cuja a dinâmica vai sofrendo também alguma(como dizemos na saude mental) sintomatologia negativa. Onde o outro grande evento Bejense vai sofrendo com ela que são as "palavras andarilhas"a cidade dos contos.
Obrigado pelas sua palavras.
Não faço parte da equipa que faz este evento ser o que é.
Mas sou um Bejense atento,preocupado ,mas principalmente aficionado pela BD e seguidor diário do seu Blogue.
Atenciosamente
José Carlos Neves

Ricardo Amaro disse...

Festival de BD em Braga é que era

António Fernandes disse...

Capital de distrito que nem sequer uma equipa de futebol nos campeonatos profissionais tem, está tudo dito sobre as dinâmicas da terra (é um pouco por todo o Alentejo) (o futebol é só um indicador, e eu até não vou muito em bolas)

Nuno disse...

Viva José Carlos, agradeço o seu testemunho, ainda mais pela sua qualidade de residente em Beja e atento a esta realidade. Falei aqui da falta de adesão da cidade ao festival, mas o que fez ainda mais confusão, até porque passei duas noites em Beja, foi observar uma cidade despida de pessoas, ainda mais a um fim-de-semana. Comentei depois com o taxista que me transportou até à estação, e ele confirmou esta tendência dos bejenses em ficarem em casa. Falou na existência de praias fluviais nos arredores o que poderia justificar parte deste vazio. Mas a questão principal aqui é tentar perceber o porquê do desapego pelos eventos culturais da cidade? Até porque pela descrição que me faz, existem e até são variados. Desconhecendo quais os canais de comunicação da autarquia com a população, pergunto se está instalada a ideia de que estes eventos se destinam a um público exclusivo? Ou será falta de melhor publicidade e promoção dos mesmos?
Abraço

Nuno disse...

Ricardo, e o Norte bem precisava de um festival de BD.

Nuno disse...

Unknow, se vamos pelo futebol e observarmos o mapa desportivo, verificamos que praticamente o litoral concentra a totalidade das equipas de futebol profissional, com predominância da grande Lisboa e grande Porto. E as assimetrias entre o interior e o litoral do país são gritantes, e não só a nível desportivo, daí também a importância da realização de eventos como o festival de Beja, realizado numa pequena cidade do interior. Abraço