11 janeiro, 2023

O ESTADO DA ARTE EM 2022

Fazendo um balanço bedéfilo, o primeira evidência que salta à vista é que a edição de banda desenhada em Portugal atravessa um período dourado. Tal verifica-se não só pela quantidade, qualidade e diversidade das obras lançadas, mas igualmente pela atenção que está a despertar, confirmada pelo crescente número de editoras a incluir este género de narrativa nos seus catálogos. E um bom exemplo do que acabei de escrever, é que apesar da conjuntura económica difícil que atravessamos, o ano de 2022 superou as melhores expectativas!
 
 
Tivemos um número de lançamentos, ou novidades, em língua portuguesa (excluo aqui revistas, fanzines e outras publicações sem distribuição comercial), que ultrapassou as três centenas, representando o melhor resultado nos últimos anos, e o número de editoras/chancelas ou entidades que promoveram a edição de obras de banda desenhada aproxima-se das cinco dezenas. Observa-se assim um forte crescimento do mercado e no número de leitores, suportado numa oferta mais pensada, não só em termos de qualidade, mas dirigida a públicos-alvo.
 
Só assim se justifica a explosão que tivemos em 2022, no género mangá, com mais de 60 obras por cá editadas (20% do total). Para chegar até aqui temos que reconhecer o trabalho feito no mercado nacional pela editora DEVIR, ao longo dos últimos 10 anos, e que abriu caminho para que houvesse agora 7 editoras nacionais com oferta de mangá nos respectivos catálogos.
 
Assim, é com toda a naturalidade que se pode destacar o fantástico ano que a DEVIR teve em 2022! Em ano da celebração, manteve a posição de liderança entre as editoras nacionais, com um total de 44 livros editados, o que representa um crescimento de 38% relativamente ao período anterior. O seu segredo? Ter conseguido fidelizar os seus leitores, com a presença em eventos associados, apresentar um leque alargado e renovado de títulos, e sobretudo ter conseguido um controlo de custos, que lhe permite actualmente manter a sua oferta ao mesmo preço de capa (€ 9,99) com que iniciou esta aventura há 10 anos. Garantiu as condições perfeitas para que conseguisse editar agora em português um "peso-pesado" como é o mangá One Piece. Recolhe merecidamente os frutos da perseverança que semeou, e é hoje sinónimo de mangá em Portugal. E como se fizesse questão de mostrar quem lidera, basta ver o seu recente anúncio de seis(!) novidades mangá já para o corrente mês, entre os quais um "peso-pesado" com mais de 400 páginas. Pela pujança, está de parabéns a DEVIR!
 

 
No segundo lugar no pódio das editoras, encontramos a ATLÂNTICO PRESS. Quem? É legitima a pergunta, porquanto não se trata de umas das ditas tradicionais editoras nacionais de banda desenhada, mas sim a promotora da colecção Clássica Marvel, que nos trouxe, por ordem cronológica, as primeiras histórias, na sua maioria inéditas, de nove dos mais conhecidos e populares super-heróis da Marvel. Ainda que ocupe por uma posição passageira, beneficia dos 38 volumes editados em 2022. A verdade é que foi uma bela surpresa esta colecção. Concilia uma boa edição com um preço simpático. E teve o condão de trazer de novo, e semanalmente, os super-heróis de volta às bancas. Bom trabalho!

A fechar o top 3 nacional, encontramos a GRADIVA. Se com a DEVIR aconteceu uma explosão de mangá, com a GRADIVA tivemos uma explosão de banda desenhada. Foi um ano de loucura com esta editora. Para se ter uma ideia do ritmo, passou de uma média de 10 edições por ano para um total de 32 lançamentos em 2022, essencialmente de origem franco-belga mas com espaço igualmente para o mangá. A editora deu continuidade às suas séries, iniciou e fechou colecções. Editou aventura, biografia, mitologia, história, western, policial. A taxa de crescimento foi de uns impressionantes 191%(!). O meu único senão, mas que não retira o brilho de todo o trabalho efectuado, foi a má decisão editorial em publicar A Bomba, em dois volumes de capa mole. Retirou-lhe a imponência que a obra merecia. Foi pena! Não obstante, de louvar o crescimento e o lugar cimeiro da editora.

Nas restantes posições quase que se poderia dizer que não houve surpresas. Todas as editoras apresentaram taxas de crescimento relativamente ao ano anterior, reforçando o peso das "maiores" dentro da oferta total de banda desenhada em Portugal. Em 2022, este o peso foi de quase 80% mas encontra-se fortemente (e temporariamente) influenciado pela actividade da Atlântico. Apesar do problema crónico da falta de dimensão do nosso mercado, ter em condições normais, as nossas 10 maiores editoras a representar, em média, cerca de 65% da oferta, oriunda dos principais fornecedores de banda desenhada mundial um sinal muito positivo de um mercado equilibrado.

Ficou assim composto o top 10 nacional: 

 A ASA continuou a dar seguimento ao seus títulos-âncora, e mantêm a parceria com o jornal Público, o que nos trouxe mais duas coleções. Já se sabe que a preferência aqui vai agora para séries fechadas e curtas. A SEITA reforçou a sua aposta em autores nacionais, publicando destes um total de 10 obras, e recuperou em 2022, para o mercado nacional, um género que não tem tido uma grande tradição entre nós: a edição de livros que falam sobre banda desenhada. Lançou um total de 4 obras com temáticas, que vão desde a entrevista a autores de BD, passando por resenhas históricas até à edição enciclopédica, diria mesmo definitiva, dedicada ao cowboy da casa Bonelli. Desconheço a apetência do nosso mercado para este tipo de obras, e como tem sido a receptividade, mas não me surpreende que a edição de Tex, Mais que um Herói, com quase de 500 páginas dedicadas, tenha suscitado um grande entusiasmo entre os admiradores do eterno ranger.
 
A ARTE DE AUTOR e a ALA DOS LIVROS, as duas editoras com o melhor catálogo nacional de banda desenhada franco-belga, continuaram a trazer-nos obras de grande qualidade narrativa e gráfica. A primeira aproveitou o ano para concluir várias das suas coleções, incluindo a publicação integral das aventuras de Corto Maltese por Hugo Pratt; a segunda, vai alternando entre continuações e álbuns integrais. Ambas dominam nas minhas escolhas das melhores leituras de 2022.
 
O quase que não houve surpresas neste top, deve-se à entrada do grupo PENGUIN RAMDON HOUSE, com um total de 20 edições (resulta do somatório da actividade nas suas várias chancelas). Apesar do lançamento de mais uma nova chancela, agora destinada a novelas gráficas, é no segmento de edições destinado a um público infantojuvenil que lhe dá este destaque entre as editoras nacionais. A LEVOIR continua na sua letargia! Figura neste top devido essencialmente à sua colecção Clássicos da Literatura, que teve mais 9 volumes editados. Por aqui continuamos à espera que termine este seu período sabático!
 
Na análise por origens da bd - para simplificar considerei apenas as três principais fontes, a americana, a europeia e mangá - apesar do forte crescimento desta última no nosso mercado, conforme referido anteriormente, em 2022, a banda desenhada de origem europeia continuou a prevalecer, com praticamente 50% da oferta. Dentro desta o franco-belga domina com 33% dos lançamentos e a bd portuguesa vale 15%. A americana representou uma oferta de cerca de 28%.
 
Por período de lançamento, regista-se que à medida que o ano vai avançando, o número de novidades em cada trimestre revela uma tendência crescente. O primeiro revelou-se o mais fraco com 15% das novidades, por oposição ao último trimestre, que concentrou 33% da oferta. Não será coincidência observar que em cada um dos semestre do ano, os meses como o maior número de lançamentos correspondem aqueles de realização do festivais de Beja (em Maio) e Amadora (em Outubro), revelando bem a importância destes eventos para os editores nacionais.

Resumindo, 2022 foi melhor ano dos últimos anos!
 
Pessoalmente, o ano foi igualmente excelente. Uma boa relação com a grande maioria das editoras e editores nacionais possibilita o fluxo de informação. Em consequência, aqui o sitio recebeu uma média de 15.000 visitas por mês. Desconfio de uma correlação com o n.º de lançamentos. Para um blogue que fala só sobre banda desenhada em Portugal, sem promoções nem talões, confesso ficar agradavelmente surpreso. Nas redes sociais, o grupo/fórum Banda Desenhada Portugal caminha para os 5.000 membros que se declaram leitores de bd, tendo registado em 2022, níveis de participação e interação bastante elevados, com mais de 8.600 publicações, quase 14.000 comentários e cerca de 81.000 reacções. Bem hajam! É bom saber que não estou sozinho deste lado. 
 

Para 2023, apesar do sinal contrário dado pela Devir, desconfio que o ritmo deve abrandar. Pessoalmente mais que a quantidade, prefiro a qualidade, e pela amostra que já foi dada podemos preparar-nos para mais um ano de grandes obras. Os votos de boas leituras! 

2 comentários:

Antonio disse...

Boas Nuno. Obrigado por este artigo e, em referência a um comentário meu anterior, confirma-se aquilo que referi em outras ocasiões relativamente á necessidade de se alargar a oferta de autores e géneros. As coisas estão a ficar demasiadamente concentradas em 3 ou 4 editoras. Defendo que poderiam (e deveriam) entrar mais chancelas no mercado nacional para contrabalançar o excesso de “conservadorismo” ou “generalismo” de muitas linhas editoriais. Admito que o ano será difícil, mas seria uma boa oportunidade para se promover o “salto” qualitativo e de diversidade que o panorama nacional de BD merece.

Nuno Neves disse...

Olá António, cfr. referi são 10 editoras que concentram 65% da oferta (2022 é a excepção que confirma a regra). Eu penso que o caminho que a BD segue passa agora por lançamentos mais pensados. E o grande número de editoras a apostar mais em BD pode trazer-nos esse “salto” que refere. Obviamente que se para irão manter as linhas editoriais generalistas de muitas editoras, mas com a concorrência entre elas começa a surgir oportunidades e espaços para diversidade. Editoras com o Penguin são capazes de surpreender.