06 setembro, 2023

O Estado da Arte em Agosto

E hoje trago aqui uma coisa diferente. Por norma este é um exercício que faço no final de cada ano, mas desta vez resolvi fazer um intermédio para avaliar como se está a comportar o nosso mercado editorial de banda desenhada depois de um 2022 que superou todas as expectativas. E talvez seja esta a melhor altura para se ficar com uma ideia. Findo Agosto entramos no último quadrimestre do ano, que estatisticamente é aquele que concentra o maior número de novidades – basta recordar que no ano passado este período representou cerca de 45% dos lançamentos desse ano e como isso pode ajudar a confirmar se o mercado de edição de banda desenhada em Portugal, atravessa ou não uma nova época dourada.

 

 
Falta infelizmente no nosso mercado bedéfilo um indicador chamado Vendas. Não existem dados públicos e parece existir um certo secretismo em cada editor relativamente às tiragens e respectivas vendas. Mas tal não nos impede de aferir o estado da arte em Portugal, através de outros indicadores, nomeadamente pelo incremento do número de lançamentos.

Olhando para os números, referentes aos primeiros oito meses de 2023, estes revelam-se pujantes. No final de mês de Agosto, encontravam-se contabilizados cerca de 205 lançamentos. Representam uma taxa de crescimento de 19% face a 2022, o que significa que até à data já se editaram mais de três dezenas de novidades em comparação com igual período no ano passado. E entramos agora em Setembro. Eu não diria que a venda de banda desenhada em Portugal é uma actividade sazonal até porque a edição faz-se ao longo do ano todo, mas há qualquer coisa nos últimos meses do ano. Não sei se motivado pela realização do maior festival nacional de BD; se pela maior época festiva de consumo que é o Natal, se por ambos, mas os números não mentem e é um período fortíssimo…. abalo para as carteiras dos leitores!

Numa estimativa optimista, considerando o que já foi anunciado por algumas das editoras, com a informação que recolhi entretanto e com o que previsivelmente ainda se espera que venha a ser editado, posso afirmar que é expectável que até ao final do ano, as bancas e livrarias nacionais (principais canais de distribuição) recebam ainda cerca de 115 a 120 novas edições de banda desenhada. Dá praticamente a média de um livro por dia nos quatro meses que restam, o que fará que 2023 feche com um total a rondar entre as 320 a 325 novidades. A confirmar-se teremos um número que bate o resultado alcançado em 2022 (310 lançamentos) e a confirmação que o sucedido no ano passado não foi uma situação passageira mas antes reveladora de uma tendência, que a edição da banda desenhada em Portugal está actualmente de muito boa saúde e que se recomenda!

E este resultado não deixa de ser fantástico, não só pela reduzida dimensão do nosso mercado, mas também porque os tempos que correm não seriam à partida o terreno mais favorável para este crescimento, se olharmos para uma realidade europeia mergulhada numa taxa de inflação alta, em taxas de juro que não param de subir e para uma guerra na Europa que nunca mais acaba... e não sendo os livros de banda desenhada produtos de primeira necessidade, são vulneráveis a crises económicas.
 
Mas há razões que contribuem para este boom, sobretudo nos últimos dois anos, e são de vária ordem. Eu destacaria aqui três:
 

  • Proliferação de editoras a incluir BD nos seus catálogos: As novelas gráficas e sobretudo o manga deram uma forte visibilidade à edição da banda desenhada, e isso atraiu a atenção de novas editoras, que começaram a olhar para este mercado de BD de forma diferente, de tal forma que no ano passado registou-se um bom número de entradas de novas editoras. Em consequência tivemos lançamentos provenientes de quase meia centena(!) de editoras/chancelas portuguesas. Até finais de Agosto deste ano, contabilizo cerca de 40 chancelas/editoras com actividade.

  • Diversificação de géneros: Uma coisa leva a outra, e a chegadas de (novas) editoras ao mercado, cada uma com uma filosofia própria, e na descoberta do seu público, conduz a uma maior concorrência e a uma aposta na diversidade. Assim para além das tradicionais séries de aventura e fantasia, as nossas editoras passaram a publicar uma variedade de outros géneros, e este ano observa-se um tendência para as bd's de carácter biográfico, para as adaptações literárias, para os romances, e uma aposta muito forte também nos leitores mais infantis, e tudo isso atrai um público mais amplo e diversificado, que leva a um aumento da base de leitores. 

  • Internet e as redes sociais: O mundo digital trouxe um novo impulso para a disseminação da BD. E nos tempos que correm a informação é tudo,  e os novos canais de divulgação, leia-se blogues dedicados e grupos de opinião e discussão nas redes sociais ajudaram e ajudam à promoção da banda desenhada em Portugal. E a realidade é esta: a informação permanentemente actualizada sobre novidades, lançamentos, festivais, eventos existe, circula e está facilmente acessível a todos a partir de um clique para um público global.

 
Ainda que o mercado francófono tenha recuperado relativamente ao ano passado, a edição nacional de banda desenhada encontra-se actualmente sob grande influência do mercado de manga, e a liderar esta oferta surge, quase sem surpresa diria eu, a DEVIR. Editora que graças ao seu já extenso catalogo de manga continua a dominar no mercado, ainda que numa "luta" com a ATLÂNTICO PRESSque trouxe os super-heróis de volta às bancas com a sua colecção Clássica Marvel (que este ano recebeu uma extensão de mais 30 volumes) repetindo-se assim uma corrida já observada em 2022. A dúvida aqui será saber se a DEVIR conseguirá ultrapassar as cinquenta edições este ano para manter a "coroa" conquistada no ano passado.
 
Já faltam menos quatro meses para confirmarmos todo este cenário, mas pelo meio temos o festival de BD da Amadora, um palco por excelência para apresentação de novidades, que certamente ajudará a validar estas expectativas de um “livro por dia”. Continuação de boas leituras!
 

4 comentários:

Anónimo disse...

A Devir lança o One Piece em edição tripla, o que conta só como um livro mas na verdade contém três. Importante a ter em conta nestas contas.

Nuno disse...

Tanto a Devir lança edições triplas, como editoras como a Ala dos Livros e a Arte de Autor lançam álbuns duplos. Até a própria Atlântico Press na sua colecção reúne em cada volume o equivalente a cinco comics.... Por simplificação (e comparação) contabilizo o número de lançamento de edições físicas. Percebo a questão levantada, que levaria a somar no final mais uma dezena de edições, mas não alteraria as conclusões.

Diogo Ramos disse...

Lembro-me de um post seu, lá para 2005/2006, em que mencionava que iria terminar as coleções em francês. Quem anda nisto há muitos anos, que mudança senhores, que mudança. Muitas editoras, muitos lançamentos, muitas coleções completas, muitos generos de múltiplas origens. É verdade que a esmagadora maioria, não gosto, mas antes assim do que aqueles tempos negros da exclusividade da meriberica, ou da asa. Abraço

Nuno disse...

Caro Diogo, e que bela mudança desde esses tempos! Sem dúvida que vivemos agora melhores anos, com uma oferta vasta e diversificada, e onde a qualidade de edição também é um requisito para algumas editoras. O facto do nosso mercado deixar de estar concentrado numa ou duas editoras causou uma "revolução" (em finais do século passado a Meribérica chegou a ter uma quota de 70%). Aprecio sobretudo agora a atenção é que é dada ao cliente-leitor, nomeadamente no respeito pela integralidade de uma colecção. Quanto aos gostos, não me posso queixar porque encontro na oferta actual o suficiente para horas e horas de boas leituras. Abraço