quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

A leitura de PEÇAS

 

PEÇAS, o singelo título em português de um álbum, editado em Agosto último, pela Ala dos Livros, é um novo olhar sobre relações humanas da parte de Victor Pinel, autor da escola espanhola, que também assinou O mergulho (Ala dos Livros, 2022). A sinopse fala sobre "uma história de protagonistas com relações pessoais falhadas", e o titulo original, Échecs, joga com o duplo sentido da palavra: xadrez e fracasso.

Confesso que na altura me passou despercebido. E estava ali na pilha de livros a aguardar vez para ser lido. Ontem dei-lhe uma oportunidade. E em bom momento o fiz. Que leitura magnifica. Logo a abrir, um encontro fugaz. É o ponto de partida para um mosaico de vidas cruzadas em torno de “amores” desencontrados. Uma história de histórias humanas, que bem podiam ser reais, vividas por personagens complexas, todas diferentes entre si, e que aparentemente nada tem em comum. 

Encontramos uma velhota que no quarto do seu lar prefere ter a solidão como companhia, um famoso actor de televisão que não se identifica com a imagem pública de galã que tem, uma artista de rua que foge a qualquer compromisso sério, um estudante habituado a ser reconhecido como o melhor, uma jovem que se questiona sobre o seu relacionamento, uma mulher divorciada que casou com o seu trabalho, um casal gay que tenta manter viva uma relação à distância. Parece caótico. Não é. 

Mas voltamos à velhota, a senhora Dubois. É nela que o autor deposita a narração dos acontecimentos. Apaixonada pelo xadrez, aceita a contragosto a companhia de Samir, um jovem voluntário no lar. A relação não tem um início fácil, mas é quando ela lhe explica as regras do jogo, que o autor estabelece um paralelismo entre as peças e as suas características e as vidas e as relações das personagens que fomos conhecendo. E do desenrolar de vários jogos, temos o desfiar da história. 

Ao longo da narrativa, assistimos ao evoluir de cada relação, como se a cada decisão correspondesse uma jogada, ora de avanço, ora de recuo, ora de ataque ou de sacrifício. E é da sucessão dessas escolhas que nascem novos caminhos, encontros inesperados e viragens que nos prendem a atenção. E o que poderia ser uma verdadeira confusão, pela profusão de diferentes personagens e diferentes ritmos, dá uma excelente leitura, pela forma como as histórias acabam por se ligar e as personagens por encaixar de forma quase natural no muito harmonioso jogo da vida. Pinel ilustra tudo isto com um desenho limpo, de traço realista, e com uma palete de cores claras e suaves, muito agradáveis à vista. Tanto a nível narrativo como gráfico, fez-me lembrar Jordi Lafebre e o seu magnifico Apesar de Tudo.

Peças é, pois, uma obra que aborda o amor nas suas várias formas. De casais em ruptura a paixões fugazes, de encontros fortuitos a amores estagnados, de encontros e desencontros a segundas oportunidades, de relações que definem uma vida. Terminada a leitura, deixo a sugestão de um novo olhar para a capa do álbum, para nos fazer  lembrar aquela máxima “de que está tudo ligado”. Temos aqui uma belíssima obra, uma pérola escondida, que entrou diretamente para a minha lista das melhores leituras do ano.

A minha nota:  EXCELENTE ÁLBUM


 

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