Já algum tempo que não escrevia aqui sobre as minhas leituras. Mea culpa porque não me tem faltado excelentes oportunidades. Mas é aproveitando esse balanço, com a leitura de UNDERTAKER que senti-me tentado a regressar a este exercício de critica. E nada melhor do que retomar com um dos géneros que mais aprecio. É indiscutível que se trata de um dos westerns do momento na banda desenhada franco-belga. A inusitada história de um cangalheiro itinerante, Jonas Crow, através de um oeste pós-guerra civil americana é o ponto de partida para histórias de ganância, vingança e claro, mortos.
Em França, a colecção já conta com seis álbuns editados, por cá, a Ala dos Livros, acabou de lançar o quarto tomo. A série funciona por dípticos, ou seja, a cada dois volumes temos uma história completa. E se os dois primeiros volumes, tendo a ganância como pano de fundo, marcaram um padrão alto, estes terceiro e quarto volumes, O Monstro de Sutter Camp e A Sombra de Hipócrates (ver notas de lançamento aqui e aqui), sob a égide da vingança, elevaram a fasquia.
É verdade que temos aqui uma história clássica de perseguição no velho oeste, e como em qualquer boa perseguição, a narrativa não apresenta tempos mortos. Os desenvolvimentos são rápidos e a leitura é ávida, e ao leitor vai sendo servida pausadamente, e em doses generosas, aspectos da terrível e hipnotizante personalidade do Monstro, personagem que dá o título ao terceiro álbum. É ele que centraliza todas as nossas atenções nesta aventura.
Jeronimus Quint, um antigo médico do exército, bem-falante, que por fora se apresenta como um vendedor de elixires, com conhecimentos, muito acima da média, sobre anatomia humana, no seu interior revela-se maquiavélico e sádico, que tem na inteligência e na capacidade de manipulação as suas melhores armas. Um lobo que veste a pele de cordeiro, é a figura que emerge do passado sombrio e até agora pouco conhecido de Jonas, e que revela contas antigas por acertar. Mostra-se um adversário à altura e um perfeito vilão. Mas a verdade é que as mesmas necessidades que impediram Jonas do tal ajuste no passado revelam-se de igual forma no presente. E a eterna questão sobre o “mal necessário” coloca-se: mata-se um homem que tem o poder de salvar vidas?
A resposta é depende. Depende do valor que se dá a cada vida humana, mas da mesa forma que Quint se lixa para o juramento de Hipócrates, também Jonas Crow não hesita agora nas escolhas ou sacrifícios que tem de fazer. Confesso que esperava que o confronto final entre os principais protagonistas da história fosse mais intenso, mas o resultado também não desiludiu.
Tem uma certa ironia ser a figura de um cangalheiro a mostrar que o western em banda desenhada está aqui bem vivo e recomenda-se!
Todo o argumento escrito por Xavier Dorison é bem estruturado, dotado de personagens fortes e vibrantes que facilmente nos cativa e puxa pelo leitor. O traço de Ralph Meyer detalhado e expressivo é irrepreensível, mas isso já nós sabíamos. A edição dos álbuns no generoso formato franco-belga de 24 por 31 em capa dura é primorosa, como aliás é apanágio da editora.
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