Nos dias que correm torna-se inevitável não falar na nova aventura de Asterix!
Após anos e anos a passarem ao largo da nossa costa, chegou finalmente o momento em que os irredutíveis gauleses desembarcam em Azenhas do Mar e colocam um pé em terras de Viriato. Poder-se-ia dizer que qualquer pretexto é um bom pretexto para se viajar, mais ainda se o destino é capital do fado e do pastel de nata, mas aqui trata-se de salvar um lusitano da boca de leões – depois de ter sido injustamente acusado de tentar envenenar César com garum (a nossa “sopa de peixe”). E por uma causa tão nobre não há tempo a perder. Começa rapidamente a 41º aventura.
Uma das maiores riquezas das viagens de Astérix e Obélix sempre foi a forma como os autores souberam explorar, com humor e malícia, as identidades culturais de cada povo – da linguagem aos costumes, da história à cultura.
E começando justamente por aqui, é na linguagem é que surge talvez o grande “senão” desta aventura. Logo no início, com o inevitável encontro com os piratas, cujos desfechos são sobejamente conhecidos, deixamos de reconhecer o Baba. Esta divertida personagem perdeu a sua marca de identidade, não só física, mas sobretudo de fala – aquele r comido era um clássico, um exagero extremamente divertido. Ceder no humor, nos tempos que correm, o resultado final perde a piada!
Depois, já em plena Lusitânia, temos um falar lusitano com um uso de um “ó pá” (?) de tal forma exagerado que a piada perde-se (mais uma vez). Confesso que não me identifico com esta opção do editor. O uso de um “pá” (ou “epá!”, vá) aceitava-se com moderação. O abuso do “ó pá” soa a tique repetitivo!
No argumento, Fabcaro entrega-nos uma história previsível mas sem grandes reviravoltas. Astérix e Obélix ocupam o centro do palco, rodeados pelos trocadilhos e referências culturais que são a alma desta aventura. A portugalidade está em força: em Zepovinhium vive a Saudade, as grandes fortunas são tratadas por PSI XX e o preso MCMLXXIV grita ideias revolucionárias. E não faltam as belas batalhas. A carga dos pastéis de nata acompanhada de lamentos romanos é deliciosa, e há uma vinheta no banquete que evoca (quero acreditar que foi intencional) a revolta da Maria da Fonte.
Didier no desenho continua em grande forma. O traço mantém-se vivo e certeiro. A Lusitânia ganha cor e movimento em cada vinheta, e há referências visuais espalhadas que fazem sorrir: em Olisipo encontramos a calçada portuguesa, o elétrico 28, o pequeno CR7, o tasco do Vasco, o galo de Barcelos. O disfarce de lusitanos dos nossos heróis é uma "cereja"!
Finalizada a leitura, Asterix na Lusitânia é daqueles álbuns que o sabor que deixa não é tão doce como um pastel de nata nem tão salgado como o bacalhau. É certo que mantém viva a tradição, mas sem a revolucionar. A alma lusitana fica bem na caricatura, mas não é um daqueles álbuns memoráveis, não obstante é inevitável para qualquer leitor lusitano. Ó pá, só lamento que aquela capa provisória não tenha passado a definitiva. Por todos os Santos, merecia!
A minha nota:

6 comentários:
Fiquei irritadissimo com a opção do editor português, pelo OPÁ, era despedimento justíssimo por assassinar assim a nossa língua
Uma opção editorial que não foi nada feliz.
E já tentaram saber o porque desse uso do "ó pá"? Se calhar lendo as entrevistas ou vissem o original chegavam lá e nao vinham para aqui dizer essas asneiras...
Caro anónimo, esclareça-nos então ;)
Na versão francesa tudo o que é dito pelos lusitanos que em françês tenha a terminação "ion" passa a ter terminação "ão" quando dito pelos lusitanos. Piada que funciona em françês mas que não funciona na nossa língua. Dái o uso desse muleta do "o pá".
Certo, mas tal não invalida que se considere que “ó pá” tivesse sido uma escolha infeliz. Há na nossa linguagem outras interjeições de uso comum muito mais usadas e com moderação. Agora ninguém debita um “ó pá” sempre que abre a boca! Esta opção do editor foi de um exagero enorme.
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