quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Entre clássicos, ausências e chuva: Que balanço faço do 36º Amadora BD?

 
Encerrado que está mais um Amadora BD é tempo agora de dissecar aqui o evento. A sensação que ficou é que esta 36º edição foi competente e equilibrada, sem provocar um grande entusiasmo mas também sem desiludir. A avaliação é positiva. Tivemos óptimas exposições e um conjunto de autores muito interessantes embora sem um nome capaz de atrair multidões. A organização jogou bem com a fórmula autor+exposição no mesmo local, e vimos bons exemplos disso com Luís Louro, Fábio Moon e Gabriel Bá, Bea Lema, Cy, Ivan Reis ou Zeina Abirached. Agora não sei se foi o suficiente para o objectivo dos 20.000 visitantes ser alcançado. Estive presente nos dois fins-de-semana (e nas duas sextas-feiras) e a sensação que fiquei foi de menos afluência do que seria desejável. Há condicionantes – já lá irei mais adiante – mas o tempo de chuva também não convidou à visita.

Quem ficou em casa perdeu uma boa oferta expositiva que evidenciou diferentes sensibilidades. Bem montadas e bem preenchidas com desenhos e pranchas originais. Talvez com efemérides a mais, as exposições no seu conjunto balançaram bem entre clássicos e obras premiadas, entre visões femininas e temáticas fortes. E não posso deixar de destacar, mais uma vez, a inédita exposição de desenhos em bruto com a assinatura do Luís Louro que foi um belo corolário de celebração dos seus 40 anos de carreira.

Felizmente, e para algumas editoras, o Amadora BD continua a ser um palco privilegiado, e como tal recebeu um bom número de lançamentos e apresentações sem cair no exagero que aconteceu na edição do ano passado. A programação deu boa conta disso. Agora, permitam-me aqui uma nota de humor com o patrocínio da Distrito Manga: no seu painel de apresentação das novidades da editora para 2026, uma das responsáveis revelou que tinham muitas mas… não podia revelar nenhuma!! (risos). Serve para ilustrar o muito que ainda há para trabalhar no capítulo da comunicação por parte das editoras portuguesas.


Agora um ponto difícil de compreender prende-se com a (não) presença dos autores do Asterix, que estiveram em Lisboa a apresentar a nova aventura na Lusitânia. Estive na apresentação oficial do álbum numa das salas de cinema do Corte Inglês e compreendo que não existam condições no actual recinto do festival para +500 pessoas assistirem confortavelmente a uma hora de conversa. Não obstante, uma simples passagem pelo maior festival nacional de Banda Desenhada e um novo banho de multidão aos autores tinha caído bem. Não esteve aqui bem a editora ASA.

No que toca às sessões de autógrafos, sempre muito concorridas, correram finalmente sem “casos”. Os horários nas sextas-feiras são uma aposta ganha. A máquina parece oleada, mas… (há sempre um “mas”) gostava que alguém me conseguisse explicar o porquê da distribuição de senhas ao fim-de-semana começar meia-hora depois da abertura de portas do festival? Se há mesmo necessidade de “obrigar“ os visitantes a permanecer trinta minutos numa fila para recolher uma senha cujo papel é precisamente evitar estar em filas nas sessões de autógrafos? Não é inventar a roda, mas se o festival abre às 10h a distribuição das senhas pode começar por exemplo… às 10h! Fica a sugestão! 

Durante as sessões, tive a oportunidade de observar a presença do desenhador americano Kevin Maguire. Enquanto todos os seus colegas de profissão, e posso aqui citar Ivan Reis, porque trabalha para o mesmo mercado de super-heróis, brindava os leitores com belos desenhos autografados, o Kevin limitou-se a assinar uma meia-dúzia de revistas e passar o resto do tempo literalmente a passar números. Perfeitamente dispensável. Futuramente a organização talvez possa repensar os convites (e os custos associados) a estes autores que não trazem qualquer valor acrescentado ao festival. Eu disse Maguire, mas podia ter dito Marco Santucci ou Maria Laura Sanapo. Cobrar por autógrafos não é o espírito do nosso festival! 

 
À esquerda a simpática Zeina Abirached, no centro Gregory Panaccione e na direita Ivan Reis.
 
 
À esquerda o galardoado Luís Louro, no centro a surpresa Vasco Colombo e na direita a talentosa Rita Alfaiate

Relativamente à tenda do denominado gaming continuo a achar que é um "um peixe fora de água" que vende a falsa a ideia que atrai mais publico para o festival. Quando por lá passei, por curiosidade, estava às “moscas”! E este espaço que poderia ser aproveitado para, por exemplo, um “artist alley” tão em voga noutros festivais ou um mini-auditório para apresentações e autores capazes de atrair multidões! 

Sobre os Prémios de Banda Desenhada da Amadora, vulgo PBDA, o anúncio dos vencedores foi sem surpresas. Ganharam os favoritos. E diga-se, de verdade, que Os Filhos de Baba Yaga, de Luís Louro (melhor obra nacional), O Meu Irmão, de Jean Louis-Tripp da Ala dos Livros (melhor obra estrangeira e melhor edição) são justos vencedores. Agora não posso deixar de dar uma palavra sobre a atribuição do Troféu de Honra. Este destina-se a premiar uma entidade ou personalidade que pelo seu trabalho e dedicação se tenha destacado na área da banda desenhada. As palavras não são minhas, mas sim do regulamento (artigo 13º). Este ano foi atribuído, a título póstumo, a Filipe Pina. Percebo o gesto, mas questiono  a escolha. É certo que o Filipe se destacou, e com duas décadas de dedicação, mas foi no universo dos videojogos. Ainda que tenha assinado alguns trabalhos de BD, não tinha assim tanta obra relacionada que justificasse a atribuição, quando comparado, por exemplo, com Pedro Massamo, outro autor que nos deixou no presente ano. O Troféu de Honra serve para celebrar quem vive e faz viver a BD e de preferência em vida. Não é manifestamente o seu propósito servir para homenagens póstumas. E tantas personalidades há ligadas à banda desenhada portuguesa merecedoras que podem ainda ser homenageadas em vida! Há de facto qualquer coisa que ainda falha nos prémios! 

E chegamos agora às condicionantes às quais o festival está “preso”

A primeira é o seu espaço físico. Já se percebeu que a Câmara está satisfeita com esta opção “low-cost” do Parque da Liberdade. Mas a verdade é que o recinto atual limita qualquer ambição de crescimento. Não é possível receber mais exposições nem mais autores. Manter o actual modelo implica investir em mais qualidade. Trazer melhores autores e melhores exposições. E tal conduz-nos à segunda condicionante: o calendário. 

A primeira semana do Amadora BD coincide com a realização do festival Quai des Bulles em França, que só para se ter uma ideia da sua dimensão, este ano reuniu cerca de 700(!) autores; a segunda semana do Amadora BD colide com a realização do festival de Lucca em Itália, que é não só o festival mais antigo como é um dos maiores na Europa. É fácil perceber que estes dois eventos absorvem largas centenas de autores e limitam a disponibilidade de contar em Portugal com alguns dos actuais e mais importantes autores de BD. A isto junta-se ainda os humores da meteorologia. Já se sabe que a segunda quinzena de Outubro é sempre propicia a chuvas e ventos o que não convidam a visitas e passeios.

Repensar a data de realização do festival talvez não fosse uma má opção.

Setembro poderia ser uma boa alternativa. A feira do Livro da Amadora decorre durante a primeira quinzena e o BD Comic Strip Festival da Bélgica acontece no final. Colocar o Amadora BD entre estes dois eventos faria sentido. Complementava a oferta cultural do município, há eventualmente grandes autores estrangeiros com agenda livre e estaticamente em Setembro chove menos do que em Outubro. Fica a ideia!

Por fim, uma palavra para a organização, incluindo voluntários, por toda a atenção e simpatia. O festival está entregue em boas mãos.
Que venha o próximo, seja em Outubro ou, quem sabe, em Setembro. 
 

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